Pais fogem do comum e provam ser possível trabalhar, educar e dar amor

Entre erros e acertos, pais são unânimes ao dizer que foi o acontecimento mais importante de suas vidas

Por: Júnior Batista & Da Redação &  -  12/08/19  -  17:27
Dario divide-se entre casa, trabalho e a criação dos gêmeos Derick e Paola, de 4 anos
Dario divide-se entre casa, trabalho e a criação dos gêmeos Derick e Paola, de 4 anos   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

Paternidade. No dicionário, vínculo de parentesco entre pai e filho. Na vida real e no dia deles, três histórias que fogem do comum. Dario Pedro Souza Santos, Antônio Marques Fidalgo e Arthur Godoy Caires provam que os laços de amor, sejam eles biológicos ou não, superam dificuldades. Longe das condições muitas vezes impostas pela sociedade, eles são pais com P maiúsculo, criando filhos autossuficientes, responsáveis e, sobretudo, superfelizes. 


Por decisão própria, vocação ou um acaso do destino, os três se viram solteiros e tentando educar seres humanos para o mundo, da melhor forma possível. Entre erros e acertos, são unânimes ao dizer que foi o acontecimento mais importante de suas vidas. E que não mudariam uma vírgula na história construída a partir de então.


“Eu sempre tive vontade de ser pai”, declara o analista de documentação Dario Pedro, de 33 anos, enquanto conversamos na área de lazer do condomínio onde mora, no Morro da Nova Cintra, em Santos. Nos brinquedos, os gêmeos Derick e Paola, de 4 anos, revezam o balancê e o escorregador com outras crianças.


Entre uma resposta e outra, somos parados por pedidos “urgentes” dos dois, como cuidar do ursinho de pelúcia enquanto brincam ou ver alguma animação pelo celular. 


O momento de descontração é raridade na semana corrida, que inclui o trabalho de backoffice, um bico como corretor de imóveis e a venda de doces que ele mesmo produz, com experiência adquirida ao longo da vida e reforçada no curso de pós-graduação em Gastronomia. “Preciso fazer isso para manter o padrão de vida deles”, afirma Dario Pedro.


Ele madruga para produzir brownies e outros quitutes, o café da manhã e o jantar da família. Dá banho, troca, leva para a escola e depois segue para o emprego, na Vila Mathias. A creche, mista, é mais uma conta no fim do mês. Além de comida, roupas, gasolina da moto, brinquedos, televisão, passeios – e a ração do cachorro! 


Nada disso abala Dario Pedro. Mesmo admitindo que é bem difícil ser sozinho nessas horas, reforça que essa escolha estava em seus planos desde os 18 anos. De forma intuitiva, já visitava instituições de adoção e levava para a casa da mãe alguns abrigados para passar o fim de semana.


Derick e Paola são filhos biológicos de uma prima distante. “Eu queria adotar o primeiro filho que ela teve e não pôde ficar, mas minha mãe foi contra. Estava na faculdade, era bem jovem, tinha uns 20, 21 anos”. Tempos depois, a vocação, enfim, foi concretizada. Após complicações no parto, os gêmeos precisavam de um lar. 


Os familiares, no começo, ficaram apreensivos, mas concordaram que o melhor era Dario criar os bebês. “Eu morava sozinho num apartamento de dois quartos. Tinha estabilidade, senti que era a hora”.


Até a adoção ser efetivada, o analista visitava Derick e Paola no abrigo. E com autorização judicial, os levava aos fins de semana para casa. Os laços, então, ficaram ainda mais fortes. Há pouco mais de um ano, a certidão de nascimento registrada apenas em seu nome finalmente foi emitida. 


No entanto, até isso acontecer, enfrentou percalços. “Os primeiros meses foram os mais difíceis. Ligava desesperado para a minha mãe quando estavam chorando muito e não sabia o que fazer”.


Assim que começou o processo na Justiça, o analista transformou o cômodo que era escritório no cantinho dos dois. Adaptou horários em sua rotina e organizou a vida.


Além das dificuldades do dia a dia, esbarrou em outros obstáculos: creches, documentos, viagens. 


“Não vou me esquecer de um Dia das Mães. Eles tinham cerca de 1 aninho e recebi um bilhete dizendo: ‘Querida mamãe, por favor, mande uma foto sua grávida’.


Sofri muito com isso. Disseram que foi um erro, uma tutora de outro horário que não conhecia nossa história. Mas aquilo me fez mal”.


Como se essa “confusão” não fosse o bastante, mais episódios o chatearam. Entre eles, férias em que pediram autorização da mãe (mesmo com a certidão de nascimento só em seu nome) e a resistência de um funcionário na hora de tirar o CPF. “Ainda na escola, tive que ouvir de uma professora que o comportamento do Derick era ‘falta de uma mãe’... 


A sociedade ainda não está preparada para ter um pai solteiro”. Também pudera. Segundo o IBGE, em 2015, enquanto as mães solteiras representavam 26,8% das famílias com filhos, os pais solteiros equivaliam a apenas 3,6%.


Quando pergunto qual a parte mais legal da paternidade, Dario afirma: “Tudo é legal, muito prazeroso. Desde o café da manhã até as dúvidas e a hora de dormir. Sempre ajudei várias instituições. Em meu trabalho de conclusão da faculdade, fiz um almoço para crianças carentes. Nunca pensei exatamente em adotar, mas a vida foi me encaminhando para isso”.


Pai e avô, Antônio Fidalgo se orgulha da mulher que a filha, Cláudia, se tornou
Pai e avô, Antônio Fidalgo se orgulha da mulher que a filha, Cláudia, se tornou   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

A hora da decisão


Era dezembro de 1989. Jornalista bem-sucedido, professor universitário, independente, Antônio Marques Fidalgo sentiu que ter um filho era o próximo passo que queria dar em sua vida. A notícia foi comunicada à família nas festas de fim de ano. “Sempre fui o tio que perguntava o que os sobrinhos queriam de presente”, lembra ele.


Enquanto conversamos na praia do Boqueirão, em Santos, o comunicador de 64 anos e a filha, Cláudia Fidalgo, de 35, voltam no tempo, observando o pôr do sol. 


E o neto caçula, Kevin, de 10 anos, ouve atento a história. Afinal, vê no avô a sua fonte de sabedoria, o seu “buscador” pessoal.


No mesmo mês em que decidiu adotar, o jornalista foi ao orfanato onde encontraria a menininha que mudaria a sua vida. Mas, com o período de recesso, começou a descobrir que a empreitada não seria tão fácil assim, mesmo tendo estabilidade financeira. 


E foi orientado a retornar depois, porque as crianças passariam as festas em lares temporários.
Voltou logo após o Ano-Novo ao Juizado, atual Vara da Infância e Juventude. “Eles jogaram um balde de água fria. Havia um monte de empecilhos, documentos, regras. Foi bem difícil no começo”.


Graças à dica de um colega de profissão, fez o caminho inverso: ir até a instituição, entender como ela funciona e conhecer as crianças. Aí, quando decidisse qual delas iria adotar, levaria seu processo junto à Justiça. “Achei esse conselho meio estranho a princípio, confesso. Parecia que estava indo ver um objeto, escolher um patinete, sabe? Mas fui”.


A diretora fez um verdadeiro interrogatório. “Parecia que ela queria que eu desistisse”, conta. A busca de Fidalgo era por uma menina de cerca de 5 anos, até porque seus pais, com quem morava, já eram mais velhos e necessitavam de cuidados. 


“Era mais uma coisa do meu pai do que minha. Para mim, se fosse menino, tudo bem”. 


No meio do papo com a diretora, o telefone toca e ela pede licença para atender. Uma funcionária bate à porta, com uma pequena aos prantos. A menina, com catapora, precisava ficar isolada e sentia coceira no corpo. Foi o que bastou para que os dois se conectassem de alguma forma naquele momento. “Comecei a distrair a Cláudia e, quando percebi, ela já estava no meu colo. A diretora desligou o telefone e pediu que a levassem de volta para tomar banho e jantar”.


Com o número do processo em mãos e após um segundo “interrogatório”, Fidalgo pediu ao juiz o direito de visitar a menina. Havia decidido adotá-la. “Todos os dias, por uma hora e meia, conversávamos. Meus pais também foram uma vez e se encantaram. Contávamos nos dedos os dias para ela ir para casa”.


Meses depois, já no novo lar, Cláudia acordou com uma decisão em mente e a comunicou para o pai de Fidalgo. “Vô, eu decidi que o ‘tio’ é meu pai. Tá bom?”, disparou, confiante. A seguir, foi a vez de ela dar a notícia para o jornalista: “Tio, a partir de hoje, você é meu pai. Tá bom?” Emocionado, ele respondeu que sim. “Só que, para mim, o ‘filha’ ainda não saiu naquele momento. Num sábado à tarde, estávamos passeando no Gonzaga e foi quando a chamei de filha pela primeira vez”, recorda. 


Na ocasião, Fidalgo encontrou um amigo e a mulher. Após eles se despedirem, Cláudia questionou: “Eu te chamo de pai, mas você não me chama de filha. Eu sou sua filha, não sou?” Com um nó na garganta, o jornalista se abaixou, olhou para a menina e disse: “Você tem razão. Porque você é minha filha, não é?”


Hoje, Cláudia faz questão de comentar: “Meu pai sempre conversou muito, me explicou tudo de maneira direta. No começo, eu não entendia (não ter mãe), depois usava isso para me defender quando alguém me chamava de adotada na escola, tentando me ofender”. 


E a conexão entre os dois é forte. Embora algumas vezes tenha desejado saber quem é sua mãe, quando se viu em meio a uma sensação de vazio, seu pai estava lá. “Ele trabalhava muito, mas sempre deu um jeito de me levar para o jornal, para a faculdade, para tudo quanto é lado”, afirma Cláudia.
“Acho que sou determinada, assim como ele. Tudo o que eu tenho de bom é graças ao meu pai. Fui uma adolescente complicada. Gostava de sair bastante, bater de frente, tive filho cedo, no entanto ele nunca deixou de ser o meu porto seguro”.


Arthur Caires doa-se ao máximo à criação dos filhos Tutu, de 14 anos, e Miguel, de 4
Arthur Caires doa-se ao máximo à criação dos filhos Tutu, de 14 anos, e Miguel, de 4   Foto: Irandy Ribas/ AT

Questão de Destino


Arthur Godoy Caires jamais imaginou que, aos 38 anos, seria um pai solteiro com dois filhos: Arthur Henrique, de 14 anos, e Miguel, de 3. Após duas separações, ele se viu criando os pequenos sozinho a maior parte do tempo. Mas o vazio por não ter contado com o seu pai biológico por perto serviu de combustível para que fosse ainda mais presente no dia a dia dos dois filhos.


A relação com a primeira esposa se tornou conturbada quando Arthur Henrique tinha só 7 anos. Assim que o casal decidiu não viver mais junto, a guarda compartilhada foi a opção para que Caires conseguisse ficar a maior parte do tempo com o menino. “Passados uns três meses, começou a ficar difícil. O Arthur tinha toda uma vida aqui em casa: escola, amigos... Com o tempo, abracei mais ainda a paternidade”.


Aí, quando o telefone tocou e a ex-mulher queria conversar sobre a guarda, ele gelou ao ouvir que aquela dinâmica não estava mais surtindo efeito. O pequeno Arthur Henrique se queixava do vaivém e havia tomado uma decisão. “Ele prefere morar com você”, disse a ex-mulher, aos prantos.


“Na minha cabeça, se tivesse que escolher, ele ia ficar com a mãe”, confessa Caires, lembrando que desacreditava ter sido o escolhido.


O funcionário público, então, teve a ajuda da mãe, que morava no apartamento acima do seu, em São Vicente. Com o tempo, ele se envolveu em uma relação esporádica e acabou engravidando a mulher. Em vez de desesperar-se, encarou a situação com a mesma vontade de quando assumiu a educação do filho mais velho. Desse modo, Miguel ficou entre os cuidados da mãe e do pai até ter cerca de 10 meses. Porém, como passava mais tempo com Caires, acabou indo morar com ele.


Há um ano, o funcionário público está noivo, mas ainda não divide o mesmo teto com a futura esposa. Ele levanta cedo, faz café, leva Arthur para a escola e deixa Miguel na sua mãe. Retorna na hora do almoço e prepara comida para o mais velho que, depois, tem curso ou fica na avó. Na volta do trabalho, os três ficam juntos. “Educar não tem fórmula. Precisa de sorte também. É difícil, cansa, mas o Tutu e o Miguel são a melhor coisa que poderia ter me acontecido”.


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