Padre Marcelo Rossi faz balanço dos 26 anos de vida religiosa e fala da depressão que enfrentou

O sacerdote ainda envia mensagem de Natal cheia de esperança e comenta o impacto da pandemia na vivência da fé

Por: Stevens Standke  -  20/12/20  -  12:48
  Foto: Martin Gurfein/ Divulgação

Com seu jeito sereno, acessível, cativante e fácil de falar, o padre Marcelo Rossi ajudou a abrir espaço para que outros religiosos também se tornassem superpopulares – para não dizer pop – e, assim, tocassem os corações de milhões de pessoas – entre elas, inclusive, as que não são católicas e as que não acreditam em Deus.


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Reconhecido pelo papa Francisco como evangelizador do novo milênio, o padre completou em 1º de dezembro 26 anos de vida sacerdotal e em seu mais novo livro, Batismo de Fogo, detalha sua trajetória de superação, mostrando que os religiosos, como qualquer ser humano, também têm fraquezas, erram e passam por provações. Tanto é que começou a escrever a obra pouco depois de ser empurrado por uma fiel de cima de um palco, de uma altura de mais de dois metros, enquanto celebrava missa na comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP), para mais de 100 mil pessoas, em 14 de julho de 2019.


Sem contar que o sacerdote de 53 anos nunca fez questão de esconder que enfrentou uma forte depressão; pelo contrário, viu no que considera o maior desafio de sua vida religiosa mais uma oportunidade de evangelizar e dialogar com as multidões.


Na entrevista a seguir, o padre, que tem programas no rádio e na TV, já lançou 13 CDs, dois EPs, quatro DVDs, dois filmes e oito livros, faz um balanço de sua trajetória, fala do impacto da pandemia na vivência da fé e manda uma mensagem de Natal cheia de esperança.


Qual deve ser a mensagem de Natal neste ano?


Nesta época de pandemia, percebemos o quanto somos frágeis, por isso temos que pedir diariamente a graça da intimidade com Deus. É nele que está o sentido de nossas vidas e é esse o sentido do Natal, pois é quando nasceu o nosso salvador.


Seu novo livro, Batismo de Fogo, fala sobre provações. Neste ano, muita gente teve perdas pessoais e profissionais. Como devemos guiar nossas vidas em meio a tantas dificuldades?


Eu abri o meu coração no livro. Falei das provações que passei e o meu sustento foi o tripé da fé: eucaristia, escrituras e rosário. Nós lemos nas histórias bíblicas que as pessoas passaram por inúmeras provações e Deus foi o sustento para elas. Aquelas que ousaram crer no Deus dos impossíveis tiveram suas vidas refeitas e foram capazes de superar as tempestades da vida. Aqui está o segredo: nunca perder a fé e confiar em nosso Deus. Por isso precisamos de um batismo no Espírito Santo, é pela força dele que superamos as dificuldades do dia a dia.


O que diz para quem não tem fé e não acredita em Deus?


Deus acreditou em você para que você nascesse e fizesse a diferença neste mundo. Crer nele não é fraqueza, mas a aceitação da nossa pequenez e das nossas fragilidades. Para quem não acredita em Deus, eu digo: dê uma chance para ele em sua vida.


  Foto: Martin Gurfein/ Divulgação

Por outro lado, existem fiéis que usam a fé e o nome de Deus para julgar os outros e até praticar atitudes nada religiosas. O que acha disso?


É muito triste ver pessoas que usam o nome de Deus indo contra os próprios ensinamentos dele. No fundo, esses fiéis não tiveram uma experiência real com Deus, mas não estou aqui para julgá-los. Que Deus transforme essas pessoas. Não esqueçamos que ele conhece todos os corações.


DEPRESSÃO Você acaba de completar 26 anos de sacerdócio. Qual é o seu balanço de tudo que fez e viveu até aqui?


Completei 26 anos no início do mês, mais exatamente no dia 1º de dezembro. Depois da depressão, percebi que tenho muito que deixar Deus agir através de mim, para levar Cristo aos corações das pessoas. A minha maior conquista é diariamente poder ter intimidade com Jesus e gosto de servi-lo como se fosse meu primeiro dia de ordenação. Quanto ao maior desafio que enfrentei até hoje, foi justamente a depressão.


Foi duro tomar a decisão de abrir para as pessoas que teve depressão? Como soube que a havia vencido?


Deus me fez falar sobre isso publicamente para mostrar para as pessoas que nós, religiosos, também sofremos tribulações. Acredito que Deus também permitiu a minha depressão para que eu conseguisse ajudar outras pessoas por meio dessa minha situação. Quanto à minha recuperação, eu vi que não tinha mais depressão quando o vazio me deixou e voltei a sentir o gosto pelas coisas simples do dia a dia.


É verdade que, nesse período, corria praticamente 10 km todo dia?


Sim. Eu fazia esteira e corria bastante, todos os dias.


No novo livro, você mostra que o religioso é um ser humano como qualquer outro e que, por isso, também tem medos, imperfeições etc. Mas não é isso o que a maioria das pessoas cobra ou espera, elas costumam achar que o religioso e a religiosa não podem errar, concorda?


O ser humano, às vezes, esquece que todos nós somos frágeis e pequenos, e como disse, a pandemia está mostrando isso claramente. A cobrança com os outros é devido à falta de conhecimento de nossa pequenez. Sem Deus nada somos, minha mãe sempre falou: “O que tem de bom em nós vem de Deus, é graça divina”.


Qual foi o maior reflexo do incidente do ano passado, no qual foi empurrado durante uma celebração?


Estou nas mãos de Deus, e em Romanos 8,28 se concretiza toda a palavra de Deus: “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus”. Várias pessoas pelo meu empurrão voltaram para Deus. O mal tentou acabar com a minha vida, mas Deus reverteu isso, repito: para que muitos voltassem para ele.


  Foto: Martin Gurfein/ Divulgação

Alguma vez duvidou da sua vocação?


Depois que entrei no seminário, nunca questionei a minha vocação. Mas, antes de iniciar a minha formação enquanto religioso, quis ter certeza do meu chamado. Fui convicto de ser essa a vontade de Deus para mim.


CONSCIÊNCIA O que pesa mais em ser um grande líder religioso?


Eu peço a Deus diariamente em minhas orações: “Jesus, que eu saiba o meu lugar”. Sou apenas um simples instrumento, uma formiguinha nas mãos de Deus. É ele quem me usa. Assim como o violão nas mãos do tocador, Deus é que dá o tom, que faz o instrumento tocar, eu apenas me deixo usar por ele.


Qual foi a história mais marcante e emocionante que tem com um fiel?


Tenho várias histórias que me tocam, mas o que mais me emociona é quando um fiel vai sozinho(a) na missa e, depois de ser tocado(a) e transformado(a), toda a sua família começa a participar das celebrações e todos eles acabam sendo transformados. Deus quer famílias inteiras.


E qual é o maior desafio da Igreja Católica no mundo moderno? Por que acha que, muitas vezes, ela é tão perseguida e criticada?


Na minha opinião, o maior desafio da Igreja hoje é evangelizar os batizados. Muitos foram batizados, mas estão longe da fé. Jesus sempre falou que os cristãos seriam perseguidos, esse é o sinal de que a gente pertence a Deus. A luz incomoda as trevas.


Mas concorda que, em algumas situações, o estímulo para a pessoa desistir da caminhada na fé vem de dentro da própria Igreja, com atitudes equivocadas de religiosos ou de fiéis?


A gente se decepciona com algum professor ou médico, mas nem por isso deixa de estudar e ir procurar ajuda para cuidar da nossa saúde. Com a fé, deve ser do mesmo modo.


FAMÍLIA Como era a sua relação com a fé quando era pequeno?


Meus pais (Antônio e Vilma) tiveram uma experiência com a Renovação Carismática Católica e se transformaram, e eu, que era muito pequeno, acabei tendo essa experiência com Deus também.


Já tive a chance de entrevistá-lo antes e acompanho a sua jornada de evangelização. É bonito como fala dos seus pais. Poderia comentar a importância deles na sua vida?


Meus pais sempre ensinaram eu e minhas irmãs (Marta e Monica) e testemunharam o que Deus fez na vida deles. Eu não apenas escutei sobre fé dos meus pais, eu vi os dois a viverem de verdade. Palavras movem, testemunhos arrastam.


DESVIO E o que pesou mais para seguir a vida religiosa?


Foi justamente ter uma experiência pessoal com Deus, através do batismo no Espírito Santo.


Só que você se afastou da fé por um período, para cursar Educação Física. O que lembra dessa época?


Eu fazia muita ginástica, usava anabolizantes e pensava em abrir uma academia. Hoje, tenho consciência plena de que foi uma época em que faltava algo na minha vida.


ESPERANÇA Como está sendo evangelizar e celebrar a missa nesse período tão diferente que vivemos?


Me propus viver cada dia assim como Jesus nos ensinou: “A cada dia basta o seu cuidado”. Eu evangelizo e celebro a missa com todo amor e alegria para que a gente nunca perca a esperança em tempos melhores, mas sempre com prudência, obedecendo as medidas de segurança.


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