O mundo do chocolate não para de evoluir

Santista Paula de Lima Azevedo conta o que há de mais novo nesse mercado, como o quarto tipo de chocolate

Por: Stevens Standke & Da Redação &  -  22/04/19  -  13:02
Foi produzindo os tradicionais ovos que a santista Paula de Lima Azevedo deu os primeiros passos
Foi produzindo os tradicionais ovos que a santista Paula de Lima Azevedo deu os primeiros passos   Foto: Vanessa Rodrigues/ AT

A Páscoa é a época do ano em que o chocolate mais fica em alta. E foi justamente produzindo os tradicionais ovos que a chocolateira santista Paula de Lima Azevedo deu os primeiros passos nesse universo saboroso, pelo qual o brasileiro é tão apaixonado. Aí, aos poucos, o que começou como um trabalho mais para complementar sua renda – para não chamar de uma divertida brincadeira – tomou corpo e deu origem à Sweet Brazil. Marca de chocolates foi criada por Paula e se mantém no mercado com produtos de qualidade premium e design criativo – a fábrica e a loja principal, que funciona de portas fechadas, ficam na Capital.


Na entrevista a seguir, a santista não só relembra detalhes curiosos de sua trajetória de sucesso, com direito a uma menção no Guinness Book, pela confecção do maior ovo de Páscoa da América Latina, como também dá toques para quem quer ampliar o conhecimento de chocolate. Paula ainda elenca as principais novidades do segmento, entre elas o ruby (quarto tipo de chocolate), e indica combinações para lá de inusitadas da delícia com comidinhas e bebidas alcoólicas.


TENDÊNCIAS O mercado de chocolate evoluiu de tal forma que parece que não se tem mais para onde ir. O que podemos esperar daqui para frente?


Eu acho que o chocolate tem um universo infinito. Ainda vão descobrir e criar muita coisa. Um grande boom recente e que veio forte nesta Páscoa é a tal da quarta categoria de chocolate: o chamado ruby, que se junta ao branco, amargo e ao leite. Ele é produzido com um cacau rosa, encontrado na Costa do Marfim (África), no Equador e no Brasil. Por causa disso, esse chocolate fica naturalmente da cor rosa e tem um gosto bem diferente, de frutas cítricas. Outra tendência mundial é o bean to bar, ou seja, o chocolateiro acompanhar o processo de produção inteiro, da obtenção das amêndoas do cacau até chegar à barra, como o próprio termo diz.


Esse profissional também acaba plantando o cacau?


Ele não precisa necessariamente ter uma plantação, pode apenas comprar amêndoas de cacau selecionadas e assumir o processo dali em diante. Já há muita gene trabalhando com o bean to bar no País e crescendo, se destacando. Esse chocolate é mais saudável, pois não tem acréscimo de açúcar ou de qualquer química, o que vem chamando a atenção de um monte de nutricionistas e nutrólogos. Vários chocolateiros entram em contato com fazendas de cacau e trabalham com pequenas produções, utilizando um cacau super bacana, sem agrotóxico, orgânico. As pessoas andam cada vez mais interessadas em chocolates assim, saudáveis. Esse é um mercado que só tende a aumentar. Hoje, também se fala bastante em comer nibs de cacau, que são as amêndoas picadinhas, que fazem bem para o organismo.


NACIONAL O cacau brasileiro realmente voltou aos bons tempos?


No passado, a vassoura-de-bruxa destruiu todas as nossas lavouras. O fantasma dessa praga ainda nos persegue, mas você protege a área onde vai fazer a plantação e consegue uma safra bacana. Com o tempo, nosso cacau evoluiu novamente, ele tem sido reconhecido por sua qualidade até fora do País. Só que, na minha opinião, podemos progredir bem mais. Atualmente, os cacaus mais conceituados do Brasil são os do Pará e de Linhares (Espírito Santo).


E quanto ao chocolate fabricado por aqui?


Ele vem recebendo prêmios pela sua qualidade, inclusive, no exterior. Esse reconhecimento se reflete em índices consideráveis de exportação dos produtos brasileiros.


D.O.C. Quais são os chocolates de origem mais badalados do momento?


O de Papua Nova Guiné, na Oceania, anda em alta. A Venezuela e Trinidad e Tobago também têm produções muito boas. A Costa do Marfim e as ilhas africanas, com destaque para São Tomé e Príncipe, são outros chocolates de origem renomados. Um dos motivos para isso é que o cacau se desenvolve melhor quando está perto do mar. Já fiz estágio na fábrica de Lyon da Valrhona, marca francesa que, para mim, é a mais top em termos globais. Para você ter ideia, só ela trabalha com mais de 30 chocolates de origem. Os produtos do tipo D.O.C. viraram uma febre. Como acontece com os vinhos, eles podem ter aromas distintos, notas frutadas, amadeiradas etc.


O que recomenda para quem quer ampliar o conhecimento do universo do chocolate?


O meu conselho é experimentar opções nacionais, suíças, belgas e assim por diante, deixar derreter na boca e observar o gosto que fica. Aí, tomar uma água com gás e comer miolo de pão entre um chocolate e outro. Ou seja, seguir aquele esquema tradicional de degustação. Já dei várias aulas em que vendei as pessoas antes de elas saborearem chocolates variados e detalharem as notas dos produtos que provavam.


O grande diferencial do chocolate belga e do suíço é...


Já começa pelo leite e tem o que chamamos de conchagem, que é quanto o chocolate fica batendo. Na Europa, até por causa do clima, ele é batido por horas, o que o deixa mais viscoso e brilhante. O chocolate belga, por exemplo, entrou para valer no Brasil em 1998. Antes, era mais quem viajava para fora que o conhecia, e até hoje, por mais popular e acessível que seja, ainda tem gente que não sabe direito como é o chocolate belga. Lógico que a mercadoria feita com ele é diferente, porque derrete na boca e possui outro teor de gordura. Mas isso não menospreza o chocolate brasileiro. Vou te falar que há zilhões de receitas que você pode preparar sem chocolate belga e que ficam maravilhosas do mesmo jeito. Basta misturar ingredientes de qualidade, fazer alquimias, que o resultado será muito bom. No caso do chocolate, o que sempre vai contar como diferenciais são os ingredientes usados e o método de fabricação.


GOURMET Quais são as combinações com chocolate mais exóticas que existem?


Acho que tudo pode. Precisa testar e ver se fica bom. O misto de doce e salgado do chocolate com sal grosso, por exemplo, é delicioso. Cada vez mais as pessoas estão experimentando combinações inusitadas. Algo que fica divino e quase ninguém imagina é banhar a batata frita de tubo no chocolate amargo. Comer um bombom amargo com blue cheese ou queijo gorgonzola também é demais. O Alex Atala faz um monte de molhos com chocolate. Basicamente todos os grandes chefs, ainda mais os da França, têm algum prato principal que leva, pelo menos, uma pitada de chocolate. 


Pode dar dicas interessantes de harmonização?


Não há dúvidas de que é maravilhoso acompanhar um vinho tinto ou do Porto com chocolate. Mas, a pedido de um cliente, fiz algumas experiências com rótulos brancos e deu certo, ficou bom. O mesmo aconteceu com a tentativa de harmonizar chocolate com cerveja escura. Vale lembrar que, hoje em dia, algumas cervejas têm até chocolate na sua composição. E sabe o que é ótimo enquanto se bebe um copo de uísque 18 anos? Chocolate! Pode ser ao leite, amargo... Prove e verá. A mistura de chocolate e cachaça também é boa demais. Vou indicar mais uma combinação: saborear trufas amargas com uma taça de espumante rosé ou de frisante.


TRAJETÓRIA Como você começou a trabalhar com a produção de chocolate?


Meu início foi super na brincadeira. Eu estava com 25 anos, tinha chegado recentemente de Londres (Inglaterra), onde morei por um período, e trabalhava numa agência de publicidade em São Paulo. A minha irmã, Luciana, perguntou se queria fazer com ela ovos de Páscoa para vender. Topei mesmo sem nunca ter frequentado um cursinho sequer. Recordo que um dos pedidos foi de ovos crocantes. Por mais que não soubesse como prepará-los, peguei a encomenda e, aí, tratei de correr atrás de uma receita. De dia, eu trabalhava na agência. Na madrugada, fazia os ovos. Terminei aquela Páscoa com pneumonia e o meu apartamento todo sujo.


Quem jamais mexeu com chocolate na vida esquece que a mão está melecada e lambuza a maçaneta da porta, o puxador da geladeira... Mas foi divertidíssimo! Fizemos o maior sucesso, organizamos, inclusive, uma noite de degustação para divulgar nossos produtos e, no final da Páscoa, tínhamos vendido tudo. 


O que ocorreu depois disso?


No ano seguinte, voltei a preparar ovos. A diferença é que, dessa vez, já tinha feito um curso. Enchi o quarto de prateleiras e coloquei ar-condicionado até na copa, que ficou ligado durante o mês inteiro. A quantidade de chocolate que vendi dobrou de um ano para outro: de 100 para 200 quilos. Passada a Páscoa, uma amiga sugeriu sociedade para montar um negócio de produção de chocolate e assim nasceu a Sweet Brazil. Nós descolamos uma série de moldes e eu fazia tênis de chocolate para vender para lojas de calçados, cifrões e dólares de chocolate para comercializar no mercado financeiro etc. As coisas foram caminhando e, com o tempo, fiquei sozinha, sem sócia. Graças ao chocolate, descobri que eu era uma artista, e canalizei a minha criatividade e o meu senso estético para isso.


Investiu em mais cursos?


Apesar de ter estagiado na Valrhona, como comentei, e trabalhado por dois meses na Bélgica, no ateliê do badalado chocolateiro Pierre Marcolini, sempre fui mais autodidata. A minha inspiração vem de observar profissionais que admiro, da moda, da decoração, enfim, de fontes variadas. Aos poucos, fui me destacando no design de chocolate e a Sweet Brazil cresceu, ficou famosa. Eu cheguei a lançar tendências, que foram absorvidas pelo resto do mercado.


GUINNESS Qual foi o trabalho mais louco que fez com chocolate?


A Garoto me contratou para produzir o maior ovo de chocolate da América Latina, entrei para o Guinness por isso. Ele era coberto por margaridas de chocolate, todo bordado; tinha três metros de altura e pesava 1,6 tonelada. Também dei aulas na Casa de Chocolates Garoto e desenhei alguns estandes para a marca.


Pelo jeito, você gosta de ensinar.


Sim, já dei muitas aulas. E não tenho o menor problema em dividir o meu conhecimento. Hoje, estou em um outro momento da vida. Acho que o que me traria mais prazer do que o chocolate empresarial seria ensinar moradores de comunidades carentes a ganhar dinheiro com chocolate. Diversas pessoas sustentaram a família, criaram filhos e pagaram a universidade trabalhando comigo. Chocolate é uma superfonte de renda!


Confira reportagem completa na edição deste domingo (21) de AT Revista.


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