Na quarentena, mães em tempo integral

Sem escola ou qualquer atividade externa e em home office, elas se têm se dedicado 24 horas por dia

Por: Sheila Almeida  -  10/05/20  -  20:26
  Foto: Fotos: Álbum de Família

Patrícia Boschetti MoreiraTodos os dias milhares de pessoas choram ao ver dois riscos rosados num teste de farmácia, um resultado de exame de sangue ou, então, uma assinatura em papéis de adoção. Esses símbolos seriam frios, se não representassem o rompimento de uma barreira que transforma a mulher em mãe. Daí para frente, não há fórmula pronta. E todos os especialistas concordam: é difícil. 


Pois, assim que nasce uma mãe, ela cria um vínculo e um papel social exercidos durante 24 horas, sete dias por semana – algo que muitas mulheres estão sentindo de forma ainda mais intensa em tempos de distanciamento social. 


Para algumas famílias, ter de ficar em casa foi como um presente, porque permitiu uma maior convivência, num cenário em que não sobrava muito tempo para isso. Para outras, está cada vez mais claro o quanto é fundamental reservar um tempinho para si. Há quem sinta as duas coisas...


E existem tantas formas de amar e educar, que costuma bater aquela dúvida de como proceder. Em meio a tantas incertezas, só uma coisa é concreta: ser mãe é entregar o seu melhor para alguém, incondicionalmente. 



É como faz Adriana França da Silva Anjos, de 35 anos. Após quatro anos de espera, ela realizou seu sonho e se tornou mãe da Sarah, de 6 anos. Depois vieram a Mariana, de 4, o Gabriel, de 3, e o Pedro, com 1 ano e 11 meses. Além de enfrentar os olhares curiosos de quem pergunta se todos os filhos são dela com o marido, Thiago Anjos, Adriana ainda atua como professora. 


Há quem ache que nessa quarentena, por trabalhar com crianças, ela tira tudo de letra com os quatro filhos em casa. Mas, apesar de amar a maternidade e agradecer todos os dias por ter a família que sonhou em formar, ela diz que é complicado.


“Amo ser mãe, só que a quarentena é muito dolorida, porque não tem pausa. Nos tempos normais, eu trabalhava meio período, levava as crianças para a escola, deixava na minha mãe e todo esse movimento me permitia ter minhas atividades. Agora, estou trabalhando de casa, com os filhos. Ser professora influencia na parte pedagógica. Mas, como cada um tem uma idade, as atividades para entretê-los às vezes mal começam e já vão por água abaixo”. 


É esse tipo de mensagem que Rafaella Ferraz de Oliveira Lima, a Rafa Ferraz, de 36 anos, tenta passar para seus seguidores. Digital influencer e mãe do Henrico, de 8 anos, e do Felipe, de 2, ela brinca que, se não terminar essa quarentena “obesa, alcoólatra ou surtada, merece um prêmio”. 


A mamãe digital defende que o ato de romantizar a maternidade costuma ser um problema, gerando frustrações em muitas mulheres. E segundo ela, mesmo com um marido e pai participativo, os filhos sempre acabam chamando a mãe. 



“O que é normal, porque, quando nasce a mãe, as pessoas esquecem a Rafaella e passam a chamar de mãe do Henrico, mãe do Felipe. E é de surtar. Eu, às vezes, deito para dormir e penso: ‘Não consegui sentar e brincar com nenhum dos dois’. Me sinto mal por isso, pois trabalhei ou briguei além do que devia... Mas é tanta cobrança do trabalho, da família, da casa, de tudo. No isolamento social, não tem válvula de escape”. 


Controle o sentimento de culpa. 
Valéria Christina de Souza Santos, psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental, diz que a saída é identificar um eventual exagero em um sentimento bem comum às mamães: a culpa. 


“A gente sabe que esse peso é muito inerente ao desempenho do papel da maternidade. As mães insistem em se sentirem culpadas, como se nunca fossem suficientes. Temos que identificar esse sentimento e jogá-lo fora”, observa a profissional. 


Outra orientação libertadora é entender que algumas coisas você pode modificar, outras não. “Precisamos aceitar que não temos controle desse elemento aversivo a que estamos subordinados, que é a quarentena. Trata-se de um desafio coletivo. Quando você identifica a culpa exagerada e percebe o momento que vive, consegue não se sentir responsável por tudo e por todos. É preciso aceitar”. 



Patrícia Boschetti Moreira, de 46 anos, jornalista e educadora física, parece que conseguiu fazer isso. Mãe do Pedro, de 12 anos, da Alice, de 10, e da Elisa, de 7, ela conta que, apesar da rotina agitada com os três filhos em casa, já encarava um ritmo puxado. Afinal, decidiu ser mãe em tempo integral faz anos. Mesmo assim, anda difícil, pois a dinâmica mudou. Mas ela está adorando. 


“Agora, em isolamento, não faço outra coisa senão passar pano na casa e cozinhar. Só que está sendo uma delícia não ter que viver cronometrando as atividades. No meu aniversário, eles prepararam bolo em forma de coração e levaram na cama. Isso não tem preço. Quando falo que queria mais filhos, me chamam de louca. Digo que sou uma louca feliz”.
 


Não há certo, nem errado. 
A psicóloga Valéria Christina lembra, que além de se cobrar menos e aceitar que nem tudo está no nosso controle, é preciso fazer o que a data de hoje convida: aproveitar. “Tem que enaltecer o papel da maternidade, mesmo que a gente precise apelar para a tecnologia e à criatividade, para não deixar a data passar batida. De repente, fazer algo simbólico, almoçar em videochamada, lembrar de momentos significativos e fazer planos para depois disso tudo”. 


Para Viviane Valeria Pinheiro Ferreira, empreendedora de 37 anos, esse Dia das Mães vai ser mesmo especial. Mãe da Valentina, de 5 anos, e do Bento, de 2, também está grávida de 32 semanas do Otto, que deve nascer no fim de junho. 


Principalmente por estar grávida – algo que, pela primeira vez, não planejou –, entendeu que a vida, muitas vezes, surpreende: ela se organizou para engravidar aos 30 e conseguiu, escolheu a distância de idade entre os irmãos e deu certo de novo, mas o Otto só foi percebido na oitava semana de gestação. 


“Tenho um negócio de aluguel de brinquedos que não parou e estou muito cansada. Tento continuar com a rotina dos meus filhos normalmente, mas deixo os dois verem TV por mais tempo quando preciso fazer algo. E sei que <QA0>
se a Valentina estivesse sendo alfabetizada, seria bem mais difícil de lidar, porque ainda haveria o estudo em casa. Tem sido algo bem diferente de tudo o que já vivemos. Somos uma família que gosta muito de passear, mas agora é esperar”. 
 


Montanha-russa de emoções. 
Além de esperar, para Patrícia, é hora de lembrar o quanto poderia ser chato sem os filhos. Rafaella diz que essa montanha-russa de sentimentos faz parte, é importante e natural do ser mãe. 


Adriana arremata: “Após tantos anos tentando, entendi que ser mãe era o desejo de Deus para a minha vida. Porque não seria essa Adriana sem os meus filhos. É aproveitar, como na semana passada, em que eu estava triste e o Gabriel falou: ‘Mamãe, a comida está maravilhosa. Você é maravilhosa’. É um afago no coração por dia, diante disso tudo”. 


Logo A Tribuna
Newsletter