Multicampeã Ana Marcela Cunha conta detalhes da vida e carreira

Baiana de nascimento, mas santista de coração, atleta de 26 anos é tetracampeã mundial de maratona aquática

Por: Stevens Standke  -  18/11/18  -  13:51
Ana Marcela Cunha é a maior medalhista brasileira em mundiais de esportes olímpicos
Ana Marcela Cunha é a maior medalhista brasileira em mundiais de esportes olímpicos   Foto: Divulgação/Ivan Storti

Ana Marcela Cunha não se acomodou com a conquista antecipada do tetracampeonato mundial de maratona aquática. Na última prova do torneio deste ano, em Abu Dhabi,no último dia 9, ela foi pronta para obter mais um resultado expressivo e, mesmo sofrendo uma queimadura de água-viva no rosto, faturou a medalha de bronze na disputa.


De origem humilde, ela deixou ainda pequena a família em Salvador, na Bahia, para treinar em Santos, pela Universidade Santa Cecília (Unisanta).De lá para cá, construiu uma carreira de respeito, com diversos títulos, entre eles o de melhor atleta feminina do País em 2015 e o de maior medalhista brasileira em mundiais de esportes olímpicos, com dez medalhas na bagagem.


Na entrevista a seguir, a baiana de 26 anos da sua carreira e conquistas, além de detalhes da sua vida pessoal.


DESAFIOS


Saber que precisava apenas entrar na água para ser confirmada como campeã mundial diminuiu o peso da prova em Abu Dhabi?


O nível que atingi não me permite entrar nessa zona de conforto. Em momento nenhum fiquei pensando que só precisava pular na água e completar a prova. Pelo contrário! Quero continuar acumulando bons resultados, subir no máximo possível de pódios, vencer as competições de que participo. Não consigo ser diferente disso.


É muito autocrítica?


Se não nos cobramos e não nos impomos desafios, dificuldades para superar, deixamos de evoluir. Mas lógico que tudo deve ser na medida certa. Porque é preciso entender que nem todo dia o corpo vai acordar na melhor forma, que nem sempre o treino será pesado. O que se deve é equilibrar as coisas. Costumo me cobrar bastante, só que acho que o Fernando (Possenti, técnico) é pior, mais exigente do que eu (risos).


Quais os maiores desafios que enfrentou até hoje?


O primeiro foi sair cedo de Salvador e vir para Santos em 2007. Deixei a cidade onde nasci e tudo para trás, para focar no objetivo de um dia chegar à seleção brasileira. Neste tempo, tenho conseguido voltar muito pouco para Salvador, pois o calendário de provas não colabora. Agora em 2018, por exemplo, não terei como visitar a família. Estou participando de umas 14 provas de 10 km, mais de uma por mês. O ano anda bem cheio, sobrecarregado. Se você comparar com o atletismo, eles têm, em média, de três a quatro competições de 42 km por ano. Outro grande desafio para mim foi ficar de fora da Olimpíada de 2012. Não foi nada fácil, mas superei. O ano seguinte acabou sendo bem melhor.


FAMÍLIA


Todos os seus parentes ficaram em Salvador?


Somente meus pais vieram para Santos. Meus avós e tios, que sempre foram muito presentes e me ajudaram demais, ficaram lá. Lembro que, por causa do trabalho dos meus pais, meu avô dava um jeito de me levar e buscar nos treinos. Administrar a distância foi duro.


Há algum esportista em casa, além de você?


Minha mãe fez ginástica rítmica; meu pai, natação. Eu era muito moleca, não parava quieta. Quando me inscreveu na creche-escola, minha mãe pediu para ser incluída nas aulinhas na piscina, porque amava água, mar. Disseram que a natação era para os alunos a partir de 4 anos. Minha mãe encheu tanto a paciência que me inseriram na turma. Olha que eu estava apenas com 1 ano e 8 meses (risos).


EVOLUÇÃO


Seguiu naturalmente a carreira de atleta?


Meus pais sempre me incentivaram a praticar um esporte, mas jamais me obrigaram a ser atleta. Fui gostando, subindo de nível na escolinha e passei a ser preparada por um amigo do meu pai, que também foi técnico dele de natação. Isso me influenciou. Ainda pesou o fato de ver nas raias ao lado o Edvaldo Valério e a Nayara Ribeiro, que eram os nossos ídolos locais. As coisas foram fluindo aos poucos. Tem mais: na Bahia, desde cedo, há um estímulo grande para as maratonas, com provas de 400, 500 e 800 metros já para as crianças de 8, 9 anos. Cheguei a um ponto em que dizia para mim mesma: “Quero, um dia, ser igual à Nayara e ao Valério”.


Como surgiu a proposta para mudar para Santos?


Se não fosse regra ter de esperar os 14 anos para participar de maratonas aquáticas, teria feito provas assim antes. Por isso acumulei algumas medalhas de natação. Em 2006, aos 14 anos, fui para meu primeiro campeonato mundial de maratonas. Fiquei entre a 10ª e a 15ª colocação. Aí, em 2007, o Marcelo Teixeira me convidou para integrar a equipe da Unisanta. Como eu era muito nova, meus pais não queriam que morasse em república e pediram para vir junto. O Marcelo providenciou toda a estrutura para a gente.


O que o seu pai fazia em Salvador?


Ele cursou Administração, trabalhou em um hospital e, depois, abriu um pet shop com a minha mãe. Com o convite para vir para Santos, eles abandonaram tudo para tomarem conta da minha carreira, para serem meus empresários. Meu trabalho é nadar, render 100%, cuidar do corpo. Meus pais se preocupam com o resto.


O esporte foi fundamental para melhorar de vida?


Sim. Hoje, eu e meus pais temos uma vida boa, rentável, de classe média-alta. Antes, éramos de classe baixa. Chegamos a passar por dificuldades. Meus pais, muitas vezes, fizeram um lanche no lugar do almoço para eu poder comer. Esse é um dos motivos de sempre querer mais e mais conquistas, porque sei que, quanto mais eu ganhar, melhor será para as nossas vidas.


PREPARAÇÃO


Você tem o hábito de fazer projeções, de planejar o futuro?


Mais ou menos. Por ter ficado fora da Olimpíada de 2012, percebi que, no esporte, a gente deve ir passo a passo. Não dá para ficar mirando tão lá na frente. Por exemplo: quando concluí o Sul-Americano, já me perguntaram sobre o Pan 2019, pois havíamos classificado o Brasil. Tem tanta coisa para acontecer até lá... Não penso nem se estarei nadando daqui a um ano. Meu foco é a prova seguinte. Gosto de estabelecer objetivos a curto prazo, pensando no longo prazo. Na vida pessoal, sou mais de fazer planos e investimentos. Já consegui meu apartamento perto do Gonzaga, ele está em obras.


Por estar morando na Cidade há tanto tempo, muita gente acha que é santista.


É verdade! (risos) Primeiro porque vim muito nova para Santos. Sem falar que perdi bastante o sotaque baiano e conquistei a maioria dos meus títulos após mudar para a Cidade. Santos é a minha segunda casa, já me sinto meio santista.


Como é sua rotina de treinos?


Divido a minha preparação entre Santos e o Rio de Janeiro. Nas manhãs de segunda a sábado, faço um aquecimento às 7 horas, antes de nadar das 8h30 às 10h30. Aí, das 11 às 12h30, costumo praticar musculação ou fazer um circuito montado pelo meu treinador. Na sequência, almoço, dou uma dormida e, nas tardes de segunda, terça, quinta e sexta, volto para a piscina, das 15h30 às 17h30. Nas tardes de quarta, normalmente faço fisioterapia ou uma massagem. Folga mesmo só no domingo, que tiro para ficar em casa.


Quais foram as situações mais curiosas que aconteceram em alto-mar?


Já encontrei peixes e arraias e fui atingida por águas-vivas diversas vezes. Mas na prova de Abu Dhabi, na sexta retrasada, sofri pela primeira vez uma queimadura de água-viva no rosto. A sensação é a pior possível, arde muito mais do que no resto do corpo. Foi na terceira volta, quando estava em terceiro lugar. Fiquei nadando e chorando. Caí para a 17ª colocação... No meio do percurso, tive até de mexer nos óculos, porque estavam cheios de água, de tanto que chorava. Mesmo assim, consegui conquistar o bronze na prova.


ESTILO


Suas tatuagens têm algum significado?


99% delas têm. Fiz três logo na primeira vez, dos 16 para os 17 anos: os aros olímpicos, uma estrela no ombro esquerdo e um golfinho no pé esquerdo. Tatuagem se tornou uma paixão. Hoje, tenho cerca de 30. Gosto bastante da fênix que fiz no braço direito. O significado dela é forte, pois, em 2016, retirei o baço por causa de uma doença autoimune e, em 2017, fui a primeira atleta na história dos esportes aquáticos a ganhar medalhas em três provas individuais de campeonato mundial. Foi uma volta por cima, como a fênix que ressurge das cinzas. Nem eu, nem meu técnico, nem ninguém esperava por isso.


SEXUALIDADE


Você é bem presente nas redes sociais. Teve receio de expor publicamente seu namoro com a jogadora de polo aquático Diana Abla?


Enquanto o meu Twitter e o meu Facebook são mais para assuntos profissionais, no Instagram mostro mais do meu dia a dia, um pouco de tudo. Não tenho problema em expor o meu namoro, mas evito ficar comentando. Sou mais na minha, pois sei que meus avós, minha família, enfim, cada um tem sua opinião. Existem muitas pessoas na mesma situação. É superdifícil explicar... Você não escolhe o amor. Quando o encontra – seja ele homem, mulher, de classe alta, baixa etc. –, o que importa é o que está sentindo.


O esporte faz com que o atleta tenha de se preservar mais nesse sentido?


A gente depende da imagem, né? Acredito que não tenho problema em me posicionar justamente porque sou muito bem-vista. Procuro tratar todo mundo bem e a recíproca é verdadeira. Nunca fui criticada, nem recebi mensagem preconceituosa. Se um dia receber, tentarei reagir bem, porque devemos respeitar as pessoas. Com tantos casos de agressão, tomo apenas o cuidado de não andar de mãos dadas na rua (Diana mora em São Paulo). Até por respeito a quem não gosta disso. Somos supertranquilas.


Logo A Tribuna
Newsletter