Mudando vidas com o Arte no Dique

José Virgilio Leal de Figueiredo, presidente e fundador do Arte no Dique, celebra os 17 anos do instituto com muitas conquistas e novidades. Entre elas, convênio com fundação do papa

Por: Stevens Standke & Da Redação &  -  25/11/19  -  19:04
José Virgílio Leal de Figueiredo, presidente e fundador do Arte no Dique
José Virgílio Leal de Figueiredo, presidente e fundador do Arte no Dique   Foto: Vanessa Rodrigues/ AT

Baiano arretado, José Virgilio Leal de Figueiredo, de 70 anos, abriu mão do trabalho com grandes estrelas da música, como Ivete Sangalo, para se dedicar de corpo e alma ao Arte no Dique, instituto que criou com o objetivo de transformar a vida dos moradores do Dique da Vila Gilda, na Zona Noroeste de Santos, por meio de oficinas de percussão e outras atividades artísticas e culturais. Vale dizer que a entidade, que completa 17 anos na quinta-feira (28), não para de crescer.


Por lá, passam diariamente cerca de 600 pessoas. Entre elas, estão nove crianças que, em dezembro, integrarão a segunda turma do instituto a fazer intercâmbio na Itália – a experiência do primeiro grupo está retratada no documentário Dique, Cidade Aberta, que será exibido gratuitamente no Cine Roxy 4, no Shopping Pátio Iporanga (Av. Ana Costa, 465, Gonzaga), na terça-feira (26), a partir das 21 horas.


Na entrevista a seguir, José Virgilio fala ainda do convênio que o Arte no Dique, junto com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acaba de assinar com a Fundação Scholas Ocurrentes, do papa Francisco, e relembra momentos marcantes da trajetória do instituto.


INTERNACIONAL O Arte no Dique tem feito ações para arrecadar dinheiro para pagar o intercâmbio de nove crianças na Itália. Como está a campanha?


A tensão foi grande, mas conseguimos atingir a meta, antes do que poderíamos imaginar. Gostaria de fazer um agradecimento especial para todas as pessoas que estão colaborando. Realizamos uma feijoada solidária no início do mês, que foi um sucesso.


O show das crianças com o Léo Maia no Sesc teve os ingressos esgotados. E na próxima quinta (28), às 20h30, a Società Italiana di Santos fará gnocchi solidário, em que parte da renda será revertida para o instituto (ingressos a R$ 30 e R$ 35; Av. Ana Costa, 311, tel. 3222-9585). Além disso, agradeço ao Rotary Club de Santos e aos empresários da região que se mobilizaram para nos ajudar a fechar a conta.


O que está programado para o intercâmbio?


As crianças (de 8 a 11 anos) embarcam no dia 5 para a Itália e voltam em 30 de dezembro. Lá, elas vão morar com famílias que têm crianças da mesma idade e frequentar escolas locais. No dia 11, o papa Francisco irá receber o grupo, que também vai fazer shows e ministrar workshops de música em quase dez cidades. Sem falar que a turma vai vivenciar um Natal diferente.


Há quanto tempo isso acontece?


No ano passado foi a primeira vez em que realizamos um intercâmbio cultural nesse formato e na Itália. Mas, desde 2012, temos levado jovens das oficinas de percussão do instituto para tocar e ministrar workshops na Europa, em lugares como Marselha e Paris (França) e Madri e Barcelona (Espanha).


Até 2017, a galera que ia era um pouco maior. Dois deles, inclusive, estão morando na Europa: o Gabriel Prado, de 22, vive há quatro anos em Bari (Itália); o Jorge Henrique, também de 22, está há dois anos em Marselha (França), onde pretendo, em breve, organizar um intercâmbio nos moldes do que vai acontecer agora na Itália. Esse formato permite que a criança absorva muita coisa positiva.


O que, por exemplo?


Procuramos mostrar que, ao conhecer realidade diferente da sua, você pode aproveitar aquilo para tentar transformar o seu dia a dia e a sua comunidade, com o seu próprio esforço. O objetivo do Arte no Dique sempre foi esse: gerar oportunidades para as pessoas, através da arte e da cultura. Nós nunca quisemos ser assistencialistas.


PAPA O instituto e a PUC-SP assinaram na última terça (19) convênio com o Vaticano. Como essa parceria vai funcionar?


Trata-se de projeto da Fundação Scholas Ocurrentes, idealizada pelo papa Francisco, que capacita jovens carentes para trabalhar dentro de suas comunidades, sendo remunerados com recursos batalhados pelo papa. O Arte no Dique é a primeira instituição brasileira a participar do programa – ele já está presente em diversos países das américas do Sul e Central, da África e da Europa.


Essa oportunidade surgiu de que forma?


O Arte do Dique é uma das instituições que foram contempladas na primeira lista do Pontos de Cultura, programa criado no Governo Lula que nos permitiu construir nossa sede atual. Por termos nos destacado, fomos convidados em 2017 pelo Vaticano para evento na Itália da Fundação Scholas Ocurrentes, que realizou um encontro de pontos de cultura. Mas demoraram dois anos para assinarmos o convênio. Em maio, os parceiros da Scholas Ocurrentes vão se reunir com o papa, na Itália, para receber as coordenadas do projeto para 2020.


AVANÇO Na quinta que vem, o Arte no Dique completa 17 anos. Quais são as principais conquistas do instituto nesse tempo?


Acho que uma das maiores é a transformação social que vem acontecendo no Dique da Vila Gilda. As crianças e os adolescentes do instituto se tornam adultos com formação sólida do ponto de vista da cidadania. Outra conquista na minha opinião é a instalação de um Bom Prato na comunidade – além de cedermos parte do terreno da nossa sede para isso, trabalhamos firme, junto com o prefeito Paulo Alexandre Barbosa, para a implantação do restaurante, que proporciona almoço e café da manhã a valor simbólico para os moradores do Dique da Vila Gilda.


Muita gente lá não tem dinheiro para comer... E com a chegada do Bom Prato – que completa um ano em dezembro –, a prefeitura vai promover mais ações na área, como disponibilizar quiosques para ajudar pequenos comerciantes locais e instalar comportas para amenizar as enchentes. Fora isso, o Arte no Dique também contratou para compor de 80% a 90% do seu quadro de 40 funcionários pessoas das palafitas que nunca tiveram um salário regular. Ao longo do tempo, ainda passamos a fazer parte do programa do Município de educação integral.


Quantos cursos o instituto oferece no momento?


Junto às oficinas de percussão – nosso ponto de partida a 17 anos atrás – temos curso pré-vestibular, aulas de inglês, francês, italiano, informática, capoeira, dança e sessões de cinema. Em 2020, vamos abrir cursos ligados à produção de HQs e games, e pretendemos retomar as turmas de teatro. Para 2021, uma meta é voltarmos a levar os jovens do Arte no Dique para tocar com o Olodum no Carnaval de Salvador, porque o instituto não pode ficar estático, precisa estar em constante renovação.


Para mim, o importante é abrir as mentes das pessoas, dar oportunidades para elas crescerem, se desenvolverem. E a educação, em todos os sentidos, é fundamental para isso. Hoje, em torno de 600 pessoas passam por dia pelo Arte no Dique. Mas não são apenas crianças e adolescentes, também atendemos as famílias desses jovens e adultos e idosos da comunidade.


Antes da entrevista, você comentou que o instituto mantém parcerias com várias universidades.


A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) faz oficinas de conscientização ambiental e auxilia no trabalho com ex-internos do Núcleo de Apoio Psicossocial (Naps). Já a Universidade Santa Cecília disponibiliza bolsas de estudo. Com a PUC-SP, além do projeto da Fundação Scholas Ocurrentes, mantemos um convênio para assistência técnica e cursos e estamos na fase experimental de implantação de uma web rádio.


TRAJETÓRIA Quais foram as suas maiores fontes de inspiração para criar o Arte no Dique?


Eu sou baiano. No decorrer da minha carreira, não só trabalhei com artistas como Moraes Moreira, Margareth Menezes, Olodum e Ivete Sangalo como antes disso, por quase 20 anos, fui funcionário público. Duas experiências dentro do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) me influenciaram bastante na concepção do Arte no Dique.


Tive a sorte de acompanhar a restauração e a ressocialização do Pelourinho. Ainda encabecei o início da reativação do Forte de Santo Antônio, em Salvador, com a implantação de um centro cultural com oficina de capoeira e tudo ligado à cultura negra.


E como veio parar em Santos?


Quando trabalhei na produtora da Ivete Sangalo, vim montar uma micareta em Santo André. Em paralelo ao evento, que durou quatro anos, decidi fazer um projeto social na cidade. Foi assim que surgiu o Régua e Compasso, que, com o tempo, foi absorvido pela Prefeitura de Santo André. Esse programa contava com apoio do Olodum para ensinar percussão para jovens carentes.


Por causa de uma apresentação dessa galera do projeto no Sesc Santos, o médico e político Fausto Figueira quis me conhecer. Ele acabou me levando para uma visita às palafitas e, por causa dessa experiência, minha cabeça se encheu de ideias. Desse modo nasceu o Arte no Dique. Para completar, na mesma época, o Gilberto Gil me chamou para trabalhar com ele no Ministério da Cultura.


Você ficou dividido?


Eu recusei o convite do Gil, pois não queria mais saber de serviço público. O difícil, na verdade, foi decidir entre continuar trabalhando na produtora da Ivete Sangalo e me dedicar inteiramente ao Arte no Dique. Mas acredito muito em missão. Tenho uma coisa espiritual, vou naquilo que a minha intuição manda, entende? Botei na balança o seguinte: na produtora da Ivete, eu teria glamour, festa, dinheiro e poucas preocupações. Só que o Arte no Dique me permite deixar um legado que espero que se perpetue por bastante tempo, transformando as vidas das pessoas da comunidade do Dique da Vila Gilda.


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