Estudantes dividem desafios ao se mudarem para repúblicas

Além da redução dos gastos, universitários amadurecem e criam 'novas famílias'

Por: Isabela dos Santos  -  05/08/19  -  19:53
Evelin (à frente) e os colegas de república criaram regras para facilitar a limpeza da casa
Evelin (à frente) e os colegas de república criaram regras para facilitar a limpeza da casa   Foto: Carlos Nogueira / AT

De acordo com o mais recente Censo da Educação Superior, realizado em 2015, há 8 milhões de universitários no País, sendo que 6 milhões cursam o ensino presencial. Desse número, 30% saem de casa para estudar.


E como Santos conta com oito instituições de Ensino Superior, pode ser considerada um polo acadêmico. O que favorece a existência de repúblicas. Essas moradias compartilhadas pelos estudantes para baratear o custo do aluguel criam, em alguns casos, grandes amizades. 


Mas também impõem desafios, como cuidar da casa, administrar as contas e a relação com pessoas de personalidades diferentes. A estudante Evelin Eugênia de Souza, de 22 anos, que cursa Ciência e Tecnologia do Mar no campus santista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sabe bem como é isso. Ela veio da Capital e há quase quatro anos é um dos nove membros de uma república do Boqueirão. 


“Aqui, nós temos pessoas muito introvertidas e aquelas que estão sempre jogando, brincando e rindo. No começo, havia vários embates, porque os mais extrovertidos queriam que o restante participasse de tudo. Só que, com o tempo, um entendeu o jeito do outro. Tivemos que nos adaptar bastante, pois ainda há os que são mais bagunceiros, até por conta da rotina”, observa.


Evelin acrescenta que a experiência de compartilhar uma moradia a ajuda a amadurecer em diversos sentidos. “Vim para Santos muito ‘crua’, não tinha tanta noção de como era a vida adulta. Hoje, mantenho um convívio mais harmonioso não só na república, mas nas minhas relações como <QA0>
um todo”. 


A universitária também acabou estabelecendo um forte elo com os oito colegas de república. “A gente sai junto com frequência. Além disso, nos importamos uns com <QA0>
os outros. Todo mundo sempre fala comigo quando estou triste, sei que posso contar com eles e eles comigo. A gente se tornou uma família mesmo”.E segundo Evelin, os pais, que antes se preocupavam se a filha ficaria bem no novo lar, hoje estão bem tranquilos com o que veem. 



Questão de ordem


Numa república, ainda mais de grandes proporções, é essencial haver regras de limpeza para manter a ordem. “A cada semana, uma pessoa é responsável por um cômodo ou por retirar o lixo e jogá-lo fora.


Para quem não cumpre a tarefa, aplicamos uma multa de R$ 20, e aproveitamos esse dinheiro para comprar produtos de higiene e itens de uso comum. Quando é para pegar mais pesado na faxina, a gente se junta e paga alguém (muitos membros levam uma rotina dupla de estudos e trabalho)”, detalha Evelin. 


Fato inusitado


Compartilhar uma moradia durante a faculdade também rende experiências únicas. Na república de Evelin, por exemplo, três intercambistas chegaram a ficar hospedados. A ideia partiu da própria universitária, porque ela atua em uma agência de intercâmbio focada em trabalho voluntário e sabe o quanto pode ser difícil para arrumar uma host family (alguém que cede a casa para a pessoa ficar durante a viagem).


Ao receber os moradores temporários, Evelin não só fez novas amizades como ampliou seu conhecimento. “Foi uma experiência muito boa, pois não tinha nenhum contato com o espanhol. Conheci músicas, um pouco da culinária e da cultura da Colômbia e do Peru”, ressalta. 



‘Decidi arriscar’


Já a estudante Elisabethe Oliveira dos Santos, de 23 anos, resolveu deixar a faculdade de Ciências Biológicas no Acre, seu estado natal, para fazer Terapia Ocupacional em Santos, mais exatamente no campus da Unifesp na Cidade.


“Vim passar as férias de final de ano com a minha família de São Paulo, fiquei sabendo do edital de transferência para a universidade e decidi arriscar. Corri atrás de toda a documentação e passei no primeiro teste. Depois, fiz a entrevista pessoal e, em janeiro deste ano, recebi a notícia da minha aprovação”, lembra. Mas, para poder cursar a nova faculdade, Elisabethe teve de achar um lugar para morar. Sua opção? Uma república, para poder dividir as despesas, principalmente o aluguel.


Para isso, consultou grupos de Facebook que publicam vagas existentes nesse tipo de residência, comparou os preços dos anúncios e visitou duas moradias compartilhadas – uma delas escolheu como lar. “Gostei que as garotas da minha república tenham a mesma faixa etária. Elas não são muito de festa como eu e me receberam bem”, afirma.


Elisabethe estranhou bastante a transição do Acre para Santos
Elisabethe estranhou bastante a transição do Acre para Santos   Foto: Alexsander Ferraz

Choque de realidade 


Apesar de curtir a liberdade que a república proporciona, a estudante de Terapia Ocupacional teve dificuldade para conciliar a vida acadêmica com os afazeres domésticos, entre eles lavar roupa, cozinhar e limpar a casa, porque a sua faculdade é em período integral na maior parte dos dias.


“Está sendo um baque aprender a me virar sozinha. Sinto muita dificuldade de me ver como adulta, resolver os problemas e lidar com burocracias, como entregar documentos na faculdade e ir ao banco. Ainda sou uma jovem lidando com problemas de adulto e estou na fase de amadurecer”, desabafa.


Outro choque de realidade para Elisabethe, ao sair de seu estado natal, foi ter que se adaptar a uma realidade bem diferente, pois morava em uma vila chamada Santa Rosa, localizada em Cruzeiro do Sul. “Lá é outra realidade: uma vila precária, em que as pessoas não têm muita perspectiva de vida, não é comum o sonho de estudar e se formar. Via a maioria das minhas amigas namorando, casando e tendo filho cedo”, explica.


Mas o que assustou mesmo Elisabethe foi o custo de vida em Santos. “Imaginei que no Acre as coisas fossem mais caras, em função do transporte até lá. Mas os preços de Santos superam totalmente os de onde morava. Aprendi a pesquisar, para não comprar aleatoriamente e, assim, economizar e preservar o dinheiro até o final do mês”. Com um convívio harmonioso com as companheiras de casa, ela sente que está concretizando um sonho. 


A dificuldade maior, em seu ponto de vista, é ter que lidar com a saudade. “Falo com a minha mãe por telefone e procuro manter contato com as minhas amigas do Acre. O ruim é que não sei quando vou para lá, porque a passagem de ida e volta é cara. Então, vou me virando”. 


Mesma vibe


O estudante Luiz Gabriel de Aguiar, de 22 anos, que cursa Engenharia do Petróleo na Universidade Santa Cecília (Unisanta), vive em república há quase cinco anos. Para ele, a experiência de começar a morar longe da família foi mais tranquila. “Sempre fui independente”, afirma. 
O universitário mudou de São Paulo para Santos em 2014. Na época, tinha apenas 17 anos. “Dei a cara a tapa, vim logo que terminei o Ensino Médio”.


Atualmente, mora com cinco estudantes – três da primeira formação da república; os outros dois, apesar de terem chegado depois, já eram amigos da turma na faculdade. 


Na opinião de Luiz Gabriel, um dos pontos primordiais para os seis manterem uma boa convivência são os gostos em comum, como sair e festejar com uma certa frequência. 


“Quando a pessoa for visitar uma república, recomendo perguntar como é cada morador, o que o grupo gosta de fazer, porque, se você for muito de ficar em casa, é provável que não se dê tão bem com alguém que sai bastante. Na minha república, todo mundo gosta de festejar, de tomar uma cerveja e bater papo, temos a mesma vibe, o que facilita muito o convívio”. 


Como resultado disso, uma forte amizade foi construída. “Nós passamos por diversas coisas juntos, como apoiar o outro em falecimentos na família e nos jogos da atlética. Independentemente da situação, todo dia alguém faz uma piada e rimos juntos”. 



Despedida


Mas entre risadas, apoio em momentos difíceis, muitos aprendizados e amadurecimento, <QA0>
a despedida também está prevista na vida de quem mora em república – geralmente, após o fim da faculdade. Mas Luiz Gabriel, que está no último ano de Engenharia do Petróleo, se encontra em dúvida sobre o futuro, se continuará ou não na república. 


“Não consigo imaginar como será a vida sem eles. Ainda é uma incógnita se vamos continuar juntos, porque não sei se vou conseguir trabalho na região. Também não decidi se vou fazer mestrado ou viajar. Quando a gente se acostuma com a cidade, não vem muito a vontade de mudar, mas tudo depende do que vai acontecer”.


Gente disposta a ajudar


Luís Felipe Aido, de 31 anos, técnico em informática e gestor de mídias sociais, fundou no Facebook o grupo Repúblicas em Santos – Ninho do Urubu, para ajudar interessados em mudar para a Cidade a encontrar uma moradia compartilhada. 


A ideia surgiu quando se candidatou a uma chapa da faculdade em 2013. Como tinha contato com vários estudantes, viu a dificuldade de muitos para achar uma república sem conhecerem ninguém em Santos. “Geralmente, a pessoa tem que vir na sorte ou depender de uma imobiliária. A faculdade já é cara, então criei o grupo Ninho do Urubu e ele foi crescendo exponencialmente, se tornando o maior da Cidade”, diz.


Atualmente, o grupo conta com mais de 5 mil participantes e aceita posts tanto de quem precisa de uma moradia quanto das pessoas que estão procurando por um novo morador em Santos. 


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