Especialistas explicam como lidar com a dor do luto

Psicólogos sugerem que dor precisa ser vivida de uma forma não destrutiva, mais saudável e não banalizada; entenda

Por: Alcione Herzog  -  24/10/21  -  09:33
 Tabus que cercam o tema e as dificuldades para lidar com o processo de luto continuam sendo grandes obstáculos
Tabus que cercam o tema e as dificuldades para lidar com o processo de luto continuam sendo grandes obstáculos   Foto: Unsplash

Desde o início da pandemia, a sociedade tem vivenciado a perda de milhares de vidas e a morte passou a ser assunto quase corriqueiro. No entanto, os tabus que cercam o tema e as dificuldades para lidar com o processo de luto continuam sendo grandes obstáculos para pessoas de todas as faixas etárias e classes sociais.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


Segundo especialistas de saúde mental, a morte de uma pessoa amada é considerada uma das experiências mais difíceis de serem processadas, tanto individualmente quanto pelo núcleo familiar.


A dor gerada pelo rompimento de um vínculo afetivo produz inevitavelmente a necessidade de reorganização em uma nova realidade a ser experimentada sem a pessoa que morreu.


Existem comportamentos que podem auxiliar a lidar com as perdas. Entre as ações facilitadoras para a vivência menos traumática do luto estão acompanhar a pessoa em seus últimos dias, ter a sensação de que fez tudo que podia e realizar os rituais formais de despedida.


Marli Cunha, psicóloga do hospital HCSG, explica que estudiosos do tema dividiram o luto em cinco fases. Elas podem ser entendidas como negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Nem todo mundo passa por todos os momentos nessa ordem, mas há os que se fixam em uma das fases. Importante é saber que cada uma das etapas engloba desafios e traz uma dor característica.


Esse processo nem sempre se dá com as fases acontecendo consecutivamente. Muitas vezes, os sentimentos são simultâneos e cada pessoa aprende a lidar com aquilo da sua maneira, utilizando seus próprios recursos e, quando necessário, buscando recursos externos para aliviar a dor e enfrentar melhor esse momento. “Em geral, o primeiro ano acaba sendo o mais difícil, pela vivência da ausência física da pessoa que veio a falecer. Por exemplo, nos primeiros aniversários e datas festivas”.


As lembranças e o contato com a realidade dos fatos marcados pela ausência daquela pessoa podem ser mais difíceis para quem nega o luto e não dispõe de recursos psíquicos para tal enfrentamento. “É preciso haver entrega emocional, sentir a tristeza sem persistir na depressão. Podemos pensar em algo como se houvesse um episódio depressivo no qual há reação, estabelecendo assim a aceitação dos fatos”.


Faz-se necessário sentir a tristeza, chorar, expressar esse sentimento, o vazio provocado pela ausência e lidar com tudo, mas sem entregar-se totalmente à prostração. O ideal é elaborar essa perda até aceitá-la. Entender que faz parte da vida a própria morte e a grande frustração que ela traz. Em resumo: aprender a passar saudavelmente pelo processo requer abertura, mergulhar na dor e sair dela, pronto para seguir adiante. Em alguns casos, o enlutado pode necessitar de intervenções com auxílio de psicoterapia e tratamento medicamentoso, justamente para não haver um gatilho para uma depressão mais profunda.


“Costumo dizer aos pacientes que o sentimento que temos pelos entes que se foram será mantido e nada poderá retirar aquilo. Não precisa esquecer. Se permita sentir. De certa forma, você manterá o sentimento de pertencimento em relação aquela pessoa e isso alivia”.


Pesquisas apontam que o período do luto dura, em média, três anos. Seria um tempo para aprender a lidar com a ausência sentindo menos dor. Mas isso não é regra e pode variar de pessoa para pessoa.


Um dos obstáculos para o enfrentamento mais positivo desse período pode ter a ver com a forma como a morte é encarada em nossa sociedade. O psicólogo e facilitador em constelações familiares sistêmicas Roberto Debski lembra que, em muitas culturas, a morte é vista como um processo natural da vida, enquanto em outras é envolta em medo, desconhecimento e incerteza, gerando comportamentos evitantes. “De forma geral, a nossa tendência é negar, evitar, rejeitar e buscar excluir tudo o que não compreendemos. É o que observamos em relação à morte”.


Debski pondera que, com a pandemia, muitos falecimentos estão acontecendo longe das famílias, em hospitais sem visitas. Velórios não puderam ser feitos e os enterros tiveram de ser rápidos, sem a oportunidade de vivenciar a despedida. “Esse fenômeno tem agravado ainda mais a dor da perda e a dificuldade de elaborá-la. É importante concretizar e dar uma finalização a qualquer processo”.


Quem passou ou está passando pela impossibilidade de vivenciar a despedida presencialmente pode sofrer com esse vazio, dificultando a possibilidade de vivenciar a perda adequadamente. “Por vezes compartilhar os sentimentos com outras pessoas que passaram pelo mesmo processo ou procurar um terapeuta abrirá espaço para enfim vivenciar a dor e superar o período”.


Terminalidade


As circunstâncias da morte do ente querido também têm grande relevância na travessia do luto. Falecimentos repentinos e considerados prematuros são muito difíceis, assim como requer bastante força a separação lenta de alguém que sofre com uma doença terminal. Juliana Dantas, jornalista e apresentadora do Finitude Podcast, fala da segunda situação todas as terças-feiras no Instagram e no Twitter. Ela tinha vivido intensamente a terminalidade da avó e do pai quando foi convidada a participar do programa, criado pelo jornalista Renan Sukevicius.


Inicialmente, foi chamada como convidada, para partilhar a sua experiência. Na segunda temporada passou a dividir a bancada com o colega com novas abordagens.


“Dali em diante, viramos a linha editorial do programa para envelhecimento, adoecimento, saúde mental, cuidados paliativos, morte e luto. A gente crê que informação salva e melhora vidas. Então, tocamos nesses assuntos – que são evitados pela maioria – com responsabilidade e com a leveza possível”.


Juliana conta que a ideia é desmistificar o senso comum e tudo o que atrapalha esses processos naturais na nossa vida. “Mostramos histórias de pessoas comuns, entrevistamos especialistas, vamos atrás do que geralmente não é visto na mídia. Sentimos que há uma demanda para tratar desses assuntos que não têm vazão nos ambientes sociais. Muitos ouvintes falam sobre as próprias perdas ou dizem que estão atravessando o luto com a nossa ajuda”.


A apresentadora reforça a concepção do luto como um processo natural, humano e saudável e que, apesar de tudo isso, não deve haver uma banalização da morte. “O luto acontece sempre que existe uma quebra no mundo como conhecíamos. Quando morre alguém que faz diferença na nossa vida, morremos também como éramos num mundo em que aquela pessoa ainda existia”, define para complementar que essa experiência dependerá de muitos fatores.


No entanto, há coisas que não mudam: é um processo individual, pessoal e intransferível. “Exemplo: o falecimento de um pai que tinha cinco filhos. Cada filho vai sentir essa perda de um jeito, ainda que a pessoa que morreu seja a mesma. O luto mora no vínculo, na relação. Cada filho vai reagir de um jeito – tem um que chora mais; outro que resolve as burocracias e talvez não derrame uma única lágrima; o que não vai querer ir ao velório; outro que, na semana seguinte, vai a um show de rock, e o último mora fora do País e não vai vir para o Brasil para os rituais de despedida”.


Juliana pergunta: “Quem está certo? Todos. O mais importante é não julgar”. Ela destaca que o modo mais moderno de análise do luto chama-se Modelo do Processo Dual do Luto. Basicamente é quando oscilamos entre a perda e a restauração. Ora estamos mais introspectivos, chorosos, vendo fotos antigas; ora estamos mirando projetos futuros.


Um verbo que não faz sentido conjugar para o luto é o “superar”. Luto não se supera. Se convive, se lida, se vive, se elabora e se processa. Independentemente da experiência, não tem como nos prepararmos totalmente para rupturas e os efeitos das partidas. Por outro lado, há conversas que podemos ter já com as pessoas que a gente ama, para deixar claro quais são os nossos limites de dignidade. Elas passam por perguntas como: Se um dia eu não puder tomar as minhas próprias decisões, o que quero que façam por mim? Desejo ter um velório? Quero ser enterrado ou cremado (a)? Onde devem jogar as minhas cinzas? Tanto as discussões práticas e logísticas quanto as filosóficas são importantes. “Para quem fica, se der para seguir como a pessoa que partiu queria, há uma espécie de sensação de dever cumprido, de fiz como ele/ela queria”.


Tudo sobre:
Logo A Tribuna
Newsletter