Especialista explica a mudança nos 'novos pais'

Pedagoga e psicóloga Elizabeth Monteiro fala do que é exigido pela paternidade, muito além de prover

Por: Alcione Herzog  -  08/08/21  -  15:29
 Neste Dia dos Pais, a especialista reflete sobre os dilemas da paternidade e do cotidiano
Neste Dia dos Pais, a especialista reflete sobre os dilemas da paternidade e do cotidiano   Foto: Patrícia Cruz/Divulgação

Professora, pedagoga, psicopedagoga e psicóloga clínica, Betty Monteiro é autora de livros que são verdadeiros manuais sobre a boa convivência familiar. Títulos como Educando Crianças em tempos difíceis, Criando Adolescentes em Tempos difíceis, além do best seller A Culpa é da mãe e Cadê o Pai desta Criança, todos pela editora Sumus. Também comandou um programa, chamado Acontece lá em Casa - Vivendo Melhor em Família, inspirado no sucesso televisivo internacional Supernany. Neste Dia dos Pais, ela reflete sobre os dilemas da paternidade e do cotidiano doméstico no cenário da pandemia.


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Os pais têm se sentido menos capazes de proteger os filhos, ao não saber, eles mesmos, como ficará o cenário?


Os pais estão muito perdidos. Até o século 18, o pai sempre teve um papel muito definido na vida familiar. Ao pai cabia até o poder de decidir sobre a vida e morte do filho. Com as ideias do filósofo Rousseau sobre a família, com a valorização da maternidade, o pai passou a ter a função de provedor familiar. Quando muito, batia uma bola com o filho. Ele tinha o papel da autoridade. A família era nuclear e à mãe cabia cuidar da família. Os papeis eram muito definidos. Com o advento da Idade Contemporânea isso mudou e muito, principalmente com a entrada da mulher no mercado do trabalho, onde a maioria das famílias tem renda dupla e não basta mais o pai ter somente o papel do provedor. A ele também cabem os mesmos papeis da mãe. Os pais ainda estão perdidos, até porque o modelo que tiveram também não serve mais para os dias atuais. Os que ainda não aprenderam vão ter de aprender a ser esse novo pai, desde a concepção desse filho, se transformando em espelhos mais participativos e presentes.


Existe um modelo ideal de paternidade e como pode influenciar na criação dos filhos?


O pai ideal é o que divide todos os papeis com a companheira, participa dos cuidados com o corpo, alimentação e estudos dos filho. Embora essas funções ainda caibam mais às mulheres, esse modelo (de pai apenas provedor) não serve mais. Quando se fala de família participativa, também os filhos têm suas funções, deveres, obrigações. O pai não deve mais ser visto como aquele que faz o favor de ajudar a mãe. Não é ajuda. Ele está cumprindo seu papel, o papel que a sociedade atual requisita. No livro Cadê o Pai desta Criança cito estudos que mostram que ter um pai participativo e amoroso contribui e muito com o desenvolvimento dos pequenos. São crianças mais inteligentes, mais ajustadas emocionalmente e mais sociáveis.


Quais experiências familiares vamos guardar desse período de isolamento?


Esse período trouxe significativas e importante mudanças familiares. Vamos passar por várias etapas. Algumas famílias ainda vão viver com restrições. Outras vão passar do 8 ao 80. Vai acontecer de tudo. Algumas sairão fortalecidas da crise. Outras se desintegrarão. Mas é certo que todas estão passando e ainda passarão por vários desequilíbrios para uma nova equilibração. A tendência do nosso pisque, do nosso organismo, é voltar sempre a um estágio de acomodação. A sequência é: adaptação, assimilações, equilibração e uma nova acomodação. No fim tudo dá certo. Restarão as lembranças formadas pelas emoções - as boas e também as dolorosas. Mas tudo isso a gente acaba assimilando e equilibrando novamente.


Acredita que as pessoas estejam repensando a vida como era antes da pandemia?


A todo tempo estamos repensando a vida antes da epidemia. É uma forma de elaborar tudo o que aconteceu e que vai acontecer. Isso requer uma introspecção. Toda a introspecção acaba gerando uma retrospecção. É um processo espontâneo. Todos os dias ocorre essa reelaboração. O melhor é viver o aqui e agora, pois em cinco minutos tudo pode mudar. Pode vir um novo vírus, pode não ter mais vacina. Não faça planos tão a longo prazo. Viva o agora.


Muitas crianças e adolescentes tiveram maior contato com o luto neste último ano. Como a família e os pais em especial podem trabalhar esse sentimento?


Eu penso que o luto deveria ser matéria de escola. A morte deveria constar na grade curricular. Ela é a única evidência da vida e é a primeira angústia do ser humano, associada à angústia da separação, também do sentimento de aniquilação. Uma coisa que a pandemia trouxe para mais perto é esse tema. Todos experimentamos com maior ou menor intensidade esse assunto que deveria ser tratado de frente. Os pais não deveriam falar para as crianças que quem morreu virou estrelinha. Isso é uma crença. A Ciência não fala isso. É melhor dizer a verdade. Dizer que o vovô ou a vovó morreu e vai ficar dormindo pra sempre. Recomendo que a criança compareça à cerimônia fúnebre e possa se despedir do ente querido pra aliviar um pouco essa questão da morte e entender. Ao longo do crescimento os pais podem dizer das diferentes crenças. Hoje a verdade maior da vida é a morte.


É a realidade. Temos que ser reais. A criança aceita. O problema está na cabeça dos adultos. Quando se começa a falar de morte as pessoas se benzem e pedem pra mudar de assunto. O melhor é falar de forma serena, segura e mostrar o que realmente é para a criança. Penso que ao menos a pandemia está desconstruindo esse tabu da finitude.


Pais sentem culpa paterna no mesmo nível que mães sentem a “culpa materna”?


Isso é coisa de poucos homens, pois eles têm um pensamento mais pragmático. A menina desde criancinha se prepara para ser mãe, através das brincadeiras de casinha. O homem, infelizmente, não é estimulado a brincar de casinha nem que seja para fazer o papel de pai. O machismo impera. Como já disse, infelizmente, muitos homens ainda convivem com a ideia ultrapassada que o papel do pai é ser o provedor e trazer o dinheiro para casa. Depois eles mesmos se queixam de serem vistos como bancos e serem procurados pelos filhos só quando o assunto é dinheiro. O fato é que a culpa paterna não é forte como é a que atinge a mulher.


Por que há essa diferença?


Porque dificilmente ele se volta para dentro de si. Tudo dele é para fora. Nada para dentro. Não tem essa coisa da introspecção, salvo as exceções, claro. A culpa na mulher já é cultural. Não é à toa que escrevi um livro chamado a A Culpa é da Mãe, para retirar um pouco essa carga que as mulheres carregam em seus ombros.


A sociedade sempre fala que ela é a maior responsável. Isso é validado pelos pais que se isentam de participar da vida dos filhos. Assim como escrevi A Culpa é da Mãe, escrevi Cadê o Pai dessa Criança?. Refleti: se a culpa é da mãe, por que não perguntar onde anda o pai? Repito, há exceções. Existem os homens mais delicados. E acho que é isso: todos os homens deveriam desenvolver esse lado delicado, esse lado “’feminino’”.


Pais devem se comportar como “amigões”, “brothers” dos filhos? Isso pode causar confusão de papeis?


Vejo muitos pais dizerem que são amigões, que conversam com os amigos de seus filhos, falam de mulher, mostram revista de mulher pelada, tomam cerveja juntos etc. Ressalto que pai amigo não sabe educar. Ele só quer ser legal e amado. É, no fundo, um carente. Ao querer ser o máximo até para os amigos do filho, acaba não estabelecendo limites e dando duplas mensagens. Tem pai que para agradar empresta o carro e até ajuda a falsificar documento pro filho menor entrar na balada. O pai tem que ter uma postura amiga e, não, ser “amigão”. São coisas distintas. O pai com postura amiga pode conversar sobre o que pode e o que não pode de maneira franca. Ele explica, protege o seu filho e educa com firmeza e delicadeza. Lembrando que ser firme não exclui ser delicado na educação.


Não há receita mágica, mas quais elementos um pai não deve deixar de oferecer para tentar manter uma boa relação com os filhos?


Ser um bom modelo. Nenhum filho escuta o que os pais dizem. Mas todos imitam os pais. Se você que lê é pai, esteja atento ao modelo que está passando para ele. Não adianta dizer que ele, o filho, tem que ser honesto e respeitar as pessoas se esse pai trapaceia no jogo, não trata bem os garçons, dirige sem cuidado e sem respeito às regras de trânsito. A educação vem com a modelagem, não é com o grito. Tratando o filho com respeito o pai será tratado com respeito. O pior tipo de bullying é o feito dentro de casa. Só pode dizer que o filho não pode gritar se você não gritar com ele. Os pais têm que dar limites precisos, mas também devem escutar os filhos.


Discursos do tipo “no meu tempo era diferente” e outros sermões não resolvem. O pai precisa ouvir, perguntar o que está acontecendo ao invés de julgar e rotular antecipadamente. O adolescente precisa sentir que o adulto entendeu o que ele lhe disse. O pai deve dizer ao filho que compreendeu o que ele falou e, se discorda, deve dizer e elencar os motivos.


Depois, juntos, devem encontrar uma solução. Assim o adolescente não se sente invisível. A gente tem que mostrar que está junto, que entendeu, mas que pensa diferente e orientar. O adolescente não quer pais que concordem com tudo, pois quando é assim também entendem que é pouco caso, ausência. Eles querem limites. É assim que se sentem amados, aceitos e protegidos.


Acha que hoje e no futuro os pais terão mais noção de sua importância na formação emocional e mental de seus filhos do que no passado?


Hoje em dia alguns pais já têm a noção exata da sua importância na criação e no desenvolvimento psíquico e afetivo, na educação, na vida social e familiar. Outros estão despertando para isso, o que me faz ter uma grande esperança no futuro. Mas as mães precisam permitir que esses pais realmente desempenhem seus papeis. Muitas se queixam que os pais não são muito presentes, mas geralmente esse afastamento começou desde os primeiros anos da infância, quando a mãe não deixava muito o pai cuidar do filho, dizendo que ele não sabe fazer as coisas tão bem quanto ela. Elas precisam prestar mais atenção nisso. Essa onipotência materna nos prejudica.


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