Ensinamento útil para a vida inteira

Criança emocionalmente saudável não é aquela que não chora, que não se frustra ou que não se irrita. É aquela que aprende a ser resiliente diante dos desafios do dia a dia

Por: Joyce Moysés  -  07/10/19  -  18:50
  Foto: Adobe Stock

Aprender a dar a volta por cima e superar as adversidades é importante para qualquer pessoa – e deve fazer parte do processo de desenvolvimento infantil. A essa habilidade dá-se o nome de resiliência, responsável por boa parte do crescimento emocional saudável das crianças.


Mas como ensinar isso para os pequenos? “O conceito é emprestado da Física, por referir-se à capacidade que alguns materiais têm de voltar à forma original após uma deformação. No sentido psicológico, seria a capacidade de atravessar dificuldades, pressões, situações difíceis e se recuperar, adaptando-se à nova realidade”, explica Thalita Martignoni, mestre em Psicologia e terapeuta EMDR (que trabalha com reprocessamento de memórias traumáticas).


Ela considera que o principal ingrediente da resiliência é uma base segura de apego. Quando os pais estabelecem boa conexão com a criança, ela cresce mais segura para enfrentar os problemas. “Ela sabe que pode explorar o mundo sob o olhar cuidadoso dos pais e que, mesmo que se machuque, tudo ficará bem, pois tem com quem contar para se consolar, se nutrir, se proteger. Essa confiança básica na vida é construída logo nos primeiros anos”, avisa a psicóloga.


A resiliência depende de várias características básicas: de como lidar com o estresse e tolerar frustrações, da autorregulação emocional, de habilidades sociais para a construção e a manutenção de relacionamentos saudáveis.


“Essas características são como o alicerce de uma casa. Quando as tempestades da vida vierem, elas podem até fazer goteiras no telhado, mas não vão danificar a estrutura, pois seus ‘donos’ têm recursos para reparar os danos”, observa Thalita.


Exemplos que inspiram


Em tempos de crise econômica, é comum as pessoas passarem por situações de sufoco. Dá para aproveitar essa fase difícil para mostrar, pelo modo de encarar os problemas, como ter resiliência. Thalita reforça que a melhor forma de ensinar é pelo próprio exemplo. De acordo com ela, as histórias de superação dos pais são poderosas fontes de inspiração para os filhos na hora de seguir caminho próprio.


A psicóloga diz que, se os pais estão enfrentando dificuldades, podem ensinar para os filhos maneiras criativas de se adaptarem à realidade, conseguindo manter o equilíbrio mesmo com poucos recursos materiais; formas de verem o lado bom das coisas, o tal do copo meio-cheio; um jeito de fazerem limonada com o limão.


Proteção e autonomia na medida


É verdade que muitos pais tentam a todo custo que seus filhos não sofram. Mas como fica a questão da resiliência nesse contexto? “Quando os pais se sentem seguros e estão integrados, deixam que a criança explore a realidade sem aquela ansiedade prejudicial. Se há um obstáculo a ser superado, apenas a orientam para que ela mesma busque soluções conforme a sua capacidade. Fazem perguntas curiosas, mostram o caminho, mas não agem no lugar dela”.


Isso não significa deixar a criança chorar até cansar, esperar que se acalme sozinha, especialmente se for pequena, quando sente emoções com intensidade. “Ela precisa que os adultos mostrem como lidar com aquilo. A gente tem de abraçar, dar colo, não colocá-la em um lugar de desamparo, que não ensina nada, apenas fragiliza o emocional”, orienta Thalita, acrescentando que acolher é diferente de resgatar a criança de dificuldades usuais.


“Pais que fazem tudo pelos filhos tiram deles a oportunidade de se sentirem capazes. Isso também não constrói resiliência. Pelo contrário, cria pessoas frágeis e dependentes. O incentivo à autonomia é essencial, pois a criança vai construindo habilidades no enfrentamento de suas frustrações. E a sensação de vitória é gratificante”.


Uma boa conversa


Luiz Cancello, psicólogo, músico, mestre em Educação e escritor, avalia que “uma parte da resiliência é inata, possivelmente genética, embora muitos psicólogos resistam a esse fato já bastante estudado. Distinguir o que é inato do que é adquirido é tarefa constante da Psicologia e das Ciências Biológicas. As pesquisas continuam, mas ainda é uma área com muito a ser descoberto. De qualquer modo, é preciso tentar achar meios de ampliar a resiliência das pessoas”.


E uma conversa, às vezes, surte mais efeito depois de uma experiência frustrante, na tentativa de elaborá-la. “O dilema dos pais está em saber até que ponto podem submeter os seus filhos a riscos (pois resolver situações de frustração e perigo por si só pode torná-los mais experientes, fortes, resilientes) e até que ponto devem protegê-los”, alerta Cancello.


Os pais têm de notificar a escola se outra criança está querendo brigar com o seu filho, para protegê-lo? Ou devem deixar que ele resolva aquilo, considerados os riscos físicos e psicológicos? É válido ajudar nas lições em que o pequeno tem dificuldades ou é mais adequado deixar que tire nota baixa, para aprender a lidar com as adversidades e até superá-las?


Luiz Cancello comenta: “O filósofo sul-coreano Byung-chul Han diz que estamos na sociedade do cansaço. Frente à pressão de palavras como sucesso, realização, potencial, sentimo-nos esmagados. Mas grande parte das classes média e alta tende a pensar em seus filhos nesses termos. Para aguentar tamanha pressão, é preciso ser resiliente. A pergunta é: essa pressão torna as crianças resilientes ou tende a fazê-las carregar um peso desproporcional ao que podem suportar?”


Diversas vezes, o psicólogo já presenciou jovens com um temperamento mais artístico e contemplativo serem obrigados a seguir outras carreiras, para corresponderem aos anseios da família. “Quando eles entram em crise, talvez alguém os classifique de ‘pouco resilientes’. É claro que isso não faz sentido. Por esse e por outros motivos é preciso tomar cuidado com o conceito de resiliência”, finaliza Cancello.


Logo A Tribuna
Newsletter