Energia de sobra: nunca é tarde para buscar novas fontes de inspiração e qualidade de vida

De acordo com relatos e especialistas, essas ações podem amenizar, ou até mesmo evitar, os reflexos do envelhecimento

Por: Alcione Herzog  -  17/10/21  -  10:56
 Após ficar viúva, Dinorah Lago, de 83, revolucionou sua vida: começou a ir à academia, modificou a dieta e vai saltar de paraquedas
Após ficar viúva, Dinorah Lago, de 83, revolucionou sua vida: começou a ir à academia, modificou a dieta e vai saltar de paraquedas   Foto: Alexsander Ferraz/AT

“O envelhecimento é um processo extraordinário em que você se torna a pessoa que sempre deveria ter sido”, disse certa vez o compositor e cantor David Bowie, conhecido mundialmente como o “camaleão do rock”, famoso pela capacidade de continuamente se reinventar na arte e na vida.


Aos 83 anos e com uma rotina invejável até para quem tem metade da sua idade, Dinorah Bonfim Lago pode dizer que assumiu uma nova versão de si mesma que só lhe trouxe alegrias. Além de malhar todos os dias numa academia e ter adotado uma dieta exemplar, em breve realizará o sonho de saltar de paraquedas. O resultado disso tudo aparece na saúde física – raramente a octogenária fica doente – e também no vigor mental.


A vitalidade que presenteia Dinorah com uma aparência bem mais nova não veio de graça. A reviravolta aconteceu há quatro anos, quando ela ficou viúva. “A família chegou a pensar que eu não me recuperaria, mas amo a vida e consegui me reinventar”, conta Dinorah, que perdeu seu grande amor no ano em que completaram cinco décadas de união.


Após aconselhamento médico, ela decidiu se matricular na academia, algo que nunca tinha pensado em fazer antes. Logo percebeu que precisava melhorar o cardápio do dia a dia para ajudar a potencializar os resultados dos treinos. A rotina de sono também foi mudada. Hoje, a dona de casa acorda às 4 horas e vai dormir às 20. “Cresci em fazenda, então não foi difícil”, brinca a baiana.


Seu esforço pessoal é perceptível no corpo e na alma. “Muitas pessoas se encorajaram a mudar o estilo de vida e vieram treinar também. Eu cheguei chegando, sem me importar com a idade que tenho. Aliás, esqueço que tenho mais de oito décadas. Sem querer, acabei virando um bom exemplo para outras mulheres maduras”.


Personal trainer que acompanha Dinorah, Murilo Ferraz rasga elogios para a aluna preferida. “É impressionante a capacidade de recuperação muscular dela. A Dinorah não se lesiona e faz com tranquilidade exercícios que passamos para pessoas de 20 anos de idade. É gratificante ver tanto comprometimento”, comenta.


E o salto de paraquedas, novo desafio de Dinorah, deverá ocorrer ainda neste ano. “Já era para ter saltado, junto com o meu filho. Só adiamos por conta da pandemia. Não vejo a hora de me lançar. Eu não tenho medo nenhum”.


Fatores importantes

Omedo pode ser um dos obstáculos para muitos que tentam vivenciar as melhores versões de si mesmos após a maturidade. Cecília Galetti, psicóloga clínica e hospitalar, especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, concorda com a frase de Bowie, mas alerta para o perigo de generalizações.

“O envelhecimento pode, sim, ser um processo extraordinário. Depende de cada pessoa. Para alguns, pode ser um processo incrível, de aprendizado, amadurecimento. Para outros, nem tanto. Nem todo mundo se torna, na velhice, o que deveria ter sido, ou melhor, aquilo que acha que deveria ter sido. O processo de envelhecer repercute psíquica e emocionalmente de forma diferente para cada indivíduo”.


O que determinará o formato dessa jornada? Vários fatores são citados pela psicóloga, como a história de vida, as experiências que a pessoa teve, os seus traços de personalidade e a capacidade de ser flexível, resiliente, e de tolerar a frustração e superar obstáculos. “Portanto, em termos psíquicos não podemos generalizar como as pessoas irão vivenciar essa fase da vida. Há idosos que se libertam, que têm disponibilidade interna para viverem coisas novas; outros não, por não quererem ou por receio do julgamento – de si mesmos, de não se acharem rapazes e até por não crerem que é possível realizar os seus desejos. Ou ainda por temerem o julgamento externo, da sociedade, da família”.


A mesma opinião tem a psicóloga clínica Priscila Hejeije, que define o envelhecer como um processo de vivências, aprendizados, maturidade emocional e habilidades desenvolvidas ao longo da existência. “Sendo assim, não posso ser o que sou hoje sem a construção desta história. Felizmente, muitos conseguem, na terceira idade, se libertar dos julgamentos, permitindo-se acolher novos prazeres e vontades anteriormente não vividos por regras sociais e por outros contextos”.


Foi mais ou menos o que aconteceu com a dona de casa Teresa Cristina Teixeira de Almeida, de 69 anos. Ela sempre teve paixão pelo mar. Embora tenha nascido em Santos, aos 21 anos casou-se e mudou-se com o marido para São Paulo. Após 40 anos na Capital e toda uma vida dedicada à família, ela retornou para a beira da praia, seu lugar preferido.


Como Dinorah, foi a viuvez a alavanca para esse mudar de ares de Teresa, às vésperas de se tornar uma septuagenária. “Eu dei um chute em tudo. Tive que deixar algumas coisas para realizar esse sonho de retornar para meu outro amor, que é o mar. O mais difícil foi ficar longe da filha e das netas, mas eu precisava também vir para ficar mais perto da minha mãe”.


Já morando em Santos, Teresa resolveu flertar mais de perto com o oceano. Experimentou tentar remar em pranchas de stand up paddle e viu que era capaz de deslizar sobre as águas. “Não parei mais de fazer esse esporte aquático, que me permite uma conexão maior com o mar de que eu tanto gosto”.


A nova atividade trouxe de brinde ainda um novo amor. “Por causa do stand up e da canoagem conheci meu atual companheiro. Ele é surfista, uma das lendas do esporte na região. Não esperava, mas essa experiência tem me feito muito feliz e completa. Aprendi que é sempre tempo de recomeçar e que a vida reserva bastante coisa bonita se estivermos receptivos”.


Nada de enrugar a alma

Aproveitar a maturidade e buscar fazer coisas nunca antes experimentadas não é só saudável, também é recomendado pelos profissionais da saúde que atuam na Gerontologia. Priscila Hejeije elenca como benefícios o aumento da flexibilidade cognitiva e uma maior percepção de felicidade.


Não é uma questão de a pessoa querer encenar um papel de jovem, mas de se sentir pertencente, viva, com um propósito de continuidade. “Segundo a Psicologia Positiva, idosos que têm maior flexibilidade cognitiva se adaptam melhor à velhice. Os que não tiveram estressores e traumas intensos e repetitivos tendem a responder melhor à travessia dessa fase, com enfrentamento mais positivo em relação à vida, trazendo a valorização e apego ao presente”.


“Os anos podem enrugar a pele, no entanto desistir do entusiasmo enruga a alma”, disse certa vez o poeta Samuel Ullman, em um conselho às novas gerações.


A frase pode ser aplicada em todas as etapas da vida, mas ganha ainda mais sentido após os 70 anos de idade, por conta do aumento da expectativa de vida e do crescimento da população acima dessa faixa etária. Hoje, essa parcela já corresponde a 6% dos brasileiros. Em Santos, ultrapassa 10% da população total. “O 70 é um novo 60. O entusiasmo, a energia e o desejo vivo são a força motriz para a motivação e para o estabelecimento de objetivos que dão sentido à vida do idoso. Sem propósitos de vida, sem o entusiasmo para realizá-los, a alma enruga”, diz Cecília Galetti.


A psicóloga explica que a concretização de um novo interesse, dentro das possibilidades de cada pessoa, tem um impacto positivo na saúde mental. “O idoso ao redescobrir seus desejos tem a chance de trabalhar sua autoestima, constatando que há possibilidades para exercitar suas capacidades, testar seus limites (físicos/ cognitivos/ emocionais), criar novos vínculos, aprender coisas novas. O reconhecimento (interno e externo) de ‘ser capaz’ favorece a autovalorização”, observa.


Vínculo social

Se jogar em novas vivências ainda permite exercitar competências como a flexibilidade e a tolerância à frustração. Ao se deparar com dificuldades no percurso, o idoso se fortalece emocionalmente.


“Ele se coloca em movimento, em ação, muitas vezes evitando ou melhorando quadro de isolamento social e depressão. A possibilidade de abrir o leque de novos contatos e vínculos sociais faz com que o idoso se sinta pertencente a um grupo, fator esse muito importante para a saúde mental e emocional”.


Foi esse o objetivo do patologista Alberto Augusto Guimarães Gonçalves ao começar a velejar quando estava prestes a completar 70 anos. Hoje, com os 80 chegando em janeiro, ele agradece por todos os finais de semana poder sair com dois ou três amigos para as praias de Guarujá. “A gente para em alguma pequena praia, faz um churrasco e confraterniza”.


Casado há 53 anos, ele conta que sempre gostou do mar, mas que a família não compartilhava dessa paixão. “Nos últimos anos, as lembranças do pequeno veleiro que tive por pouco tempo na juventude voltavam à cabeça”. Um dia, Alberto tomou coragem e comprou um veleiro com capacidade para seis pessoas.


A embarcação foi batizada de Clô, em homenagem às netas Clara, Luiza e Olívia. “Velejar passou a me trazer uma sensação de liberdade. É gostoso sentir o vento no rosto, ver o oceano. Me sinto vivo! Para que ficar no sofá esperando a morte? Enquanto tiver saúde, continuarei a navegar”, conclui.


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