Didi Gomes comemora 35 anos de carreira cheia de projetos para os próximos meses

A cantora santista conquistou o seu espaço na cena do samba, do choro e do Carnaval

Por: Stevens Standke  -  14/03/21  -  12:26
  Foto: Foto Alexsander Ferraz

Didi Gomes nasceu em uma família musical. Além de ter um avô instrumentista, seu pai, Ayrton do Violão, como ficou conhecido, foi um dos fundadores do grupo e do clube Chorões Santistas. Por causa disso, Didi deu os primeiros passos como cantora e percussionista aos 7 anos e logo depois, mais exatamente aos 9, passou a atuar profissionalmente, conciliando trabalhos com o pai e a carreira solo. Resultado: não só conquistou reconhecimento na cena do samba e do choro, como também marcou presença na MPB, ao viajar o País com show em tributo a Elis Regina.


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Outro capítulo importante nos 35 anos de trajetória de Didi é a sua ligação, cada vez mais forte, com as escolas de samba de Santos, de São Paulo e do Rio de Janeiro – tanto é que já ajudou agremiações das três cidades a conquistar títulos. Na entrevista abaixo, a santista, que completou 44 anos de idade na última sexta-feira e que tem quatro filhos – um deles com talento para o rap –, fala do desafio de presidir os Chorões Santistas após a morte do pai. Ainda detalha seus próximos projetos profissionais e relembra momentos marcantes de sua carreira, como a luta para driblar a resistência por ser uma mulher em um segmento tradicionalmente dominado por homens e que, algumas vezes, continua a ter dificuldade para aceitar os choros que não sejam completamente instrumentais.


BALANÇO O que sente quando olha para trás e vê tudo que conquistou ao longo dos seus 35 anos de carreira?


Por mais que eu tenha passado por caminhos de pedra e muitas dificuldades, bate uma saudade de tudo que vivenciei, principalmente porque não conto mais com o respaldo dos meus pais. Eles já não estão mais aqui, me guiando... Hoje, apesar de a minha família e os meus amigos serem bem presentes, quando eu preciso resolver algo, me pego pensando o que os meus pais iriam sugerir em cada situação.


Entre tantos desafios, quais foram os mais marcantes?


Já recebi bastante puxada de tapete, inclusive de pessoas das quais eu gostava e havia ajudado profissionalmente. É complicado alguém, que você considera amigo, tentar te queimar para conseguir um trabalho. Ainda estou aprendendo a assimilar isso e levar tudo numa boa. Mesmo assim, continuo apoiando quem acho que tem talento e carisma e que, na minha opinião, merece estar em um lugar melhor. O que eu não espero mais é qualquer tipo de reconhecimento ou gratidão.


E as dificuldades financeiras foram muitas até aqui?


Sim! O artista, quando não alcança um patamar de fama, sofre bastante para se manter. O músico, independentemente de ser homem ou mulher, ainda não é valorizado como deveria. No momento, sou eu quem sustenta a minha família.


A pandemia deve ter piorado ainda mais a situação.


Sem dúvida. Sou grata pela ajuda que recebi no período inicial de isolamento social. Alguns amigos se juntaram para me dar cestas básicas. Nós, da música, temos nos unido para fazer lives aqui na região, para tentar melhorar a nossa situação. Alguns donos de casas noturnas, por mais que estejam sem condições de pagar cachê, têm aberto espaço para a gente ganhar algum dinheiro. Mas há colegas que preferem aguardar o momento em que os estabelecimentos poderão pagar de novo cachê; eu estou encarando todas as oportunidades que surgem na minha frente. É melhor do que ficar sem receber nada.


CLUBE O que despertou a sua paixão pela música?


É algo que vem de família. O meu avô paterno já era músico. E o meu pai, Ayrton Gomes, o Ayrton do Violão, quando tinha 17 anos, começou a reunir amigos para tocar choro na casa dos meus avós. Em 1962, eles formaram o grupo Chorões Santistas, que deu origem a um bloco carnavalesco. E em 1981, quando o meu pai conheceu a minha mãe, dona Madalena, foi fundado o Clube Chorões Santistas, espaço para reunir o pessoal que existe até hoje e do qual sou presidente há quase quatro anos – assumi quando o meu pai morreu. Mas entrei no mundo da música bem antes, ainda pequena. Tinha 7 anos quando subi no palco pela primeira vez. Dali em diante, comecei a cantar, incentivada pelo meu pai. Com 9, já me apresentava profissionalmente, ajudando o Chorões Santistas a abrir o Carnaval de Santos, na avenida, o que ocorreu até a década de 90. Eu também sou percussionista, toco vários instrumentos desde criança. Como meus pais não tinham com quem me deixar, eu os acompanhava no meio musical. Isso ajudou a aflorar a paixão pelo canto e pelos instrumentos.


Quais os planos para o clube?


Ele estava funcionando até a pandemia começar. Abríamos a nossa sede, no Jabaquara, uma vez por mês, para eventos com artistas da região, e fazíamos contratos para apresentações do nosso grupo, que chegou a tocar, por exemplo, no Carnaval de Cubatão. De março de 2020 para cá, o clube se encontra com as portas fechadas; ele está passando por uma reforma e reestruturação. Quando essa etapa for concluída e a pandemia melhorar, vamos inaugurar a Sala Ayrton do Violão, onde haverá aulas de música, dança e artes cênicas para a comunidade. Também tenho o plano de, assim que voltarmos a ter Carnaval, criar a banda do Chorões Santistas no Jabaquara.


  Foto: Foto Alexsander Ferraz

FOCO Você sempre viveu exclusivamente da música?


Ganho dinheiro com a música desde pequena. Primeiro, me apresentava apenas com o meu pai e, aos poucos, passei a conciliar esses trabalhos com a minha carreira solo. Na maior parte da minha vida, foquei totalmente na música. Só dos anos 80 para os 90 tive alguns empregos complementares, como camareira de hotel e caixa de supermercado. Portanto, já faz mais ou menos 25 anos que não trabalho com nada que não seja a música.


O que projeta para a sua carreira solo?


Gravei recentemente dez músicas, para abrir o meu Spotify, o que, de certa forma, realiza um sonho antigo, de lançar um disco – algo que eu ainda não tinha conseguido concretizar. E estou preparando mais material em estúdio, para alimentar a página do Spotify. A princípio, estou gravando canções de compositores variados, da Baixada Santista e de fora da região – alguns bem renomados. Na sequência, tenho o projeto de focar nas músicas do meu pai. Além disso, para comemorar os meus 35 anos de carreira, fiz uma live em dezembro, que está disponível no meu canal do YouTube, e planejo mais uma transmissão comemorativa, com o título 35 Anos de Trajetória – A Resenha, em abril. Aí, quando a pandemia melhorar, pretendo produzir um DVD de aniversário. Sem falar que, após os shows que fiz em homenagem a Elis Regina e Cartola, comecei a criar um novo tributo, agora dedicado a Alcione.


CARNAVAL Mantém relação com as escolas de samba?


No momento, faço parte da ala musical da União Imperial, em Santos. Mas já cantei em escolas da cidade de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Jacareí (SP). Sabe, ajudar a puxar samba-enredo era algo que eu não imaginava que, um dia, iria fazer. Tudo começou em 2012, em Santos mesmo, quando recebi convite para atuar na Sangue Jovem. Depois, fui para a União Imperial e para a Unidos dos Morros – escola pela qual desfilei em 2016, ano em que ela venceu o Carnaval santista. Nesse meio tempo, participei do programa do Raul Gil e a Vai-Vai me chamou para sua ala musical, por causa do meu desempenho na TV. Com samba-enredo em homenagem a Elis Regina, a escola ganhou o Carnaval de São Paulo em 2015. Fiz parte da Vai-Vai até o início do ano passado. Em 2017, também tive a chance de integrar a ala musical da Mocidade Independente de Padre Miguel, no Rio de Janeiro, quando a escola venceu o Carnaval carioca.


Tudo isso sem deixar de lado as escolas santistas?


Exatamente. Retornei para a União Imperial em 2020, só que, nos três anos anteriores, eu fiz parte da X-9. Tem mais uma coisa: no ano passado, ainda desfilei pela Camisa Verde e Branco, em São Paulo, que prestou homenagem ao Carlinhos Brown.


Como anda o clima nas escolas de samba, com a suspensão do Carnaval, por causa da pandemia?


Muitas pessoas dependem dos desfiles para sobreviver e estão desempregadas. O que a comunidade do samba mais quer é que a situação melhore, para o Carnaval ser retomado. Houve escolas, inclusive de Santos, que já fizeram lives para definir os seus próximos sambas-enredos. Algumas estão realizando até atividades paralelas para ajudar os seus membros.


O que é mais mágico na avenida?


Para mim, cada ano é inesquecível. A diferença entre Santos, São Paulo e Rio de Janeiro está mais na estrutura. A energia da avenida, a garra dos componentes, isso não muda em nenhum lugar. É algo maravilhoso, surreal.


RESISTÊNCIA Apesar de ter grandes mulheres intérpretes ao longo da história, o universo do samba e do choro costuma ser bem masculino. Você sofreu preconceito por causa disso?


Sim, e não somente de homens, de mulheres também, porque algumas pessoas mais tradicionalistas acham que o choro deve ser instrumental apenas. Eu, como canto choro com letra, percebi que teve gente que demonstrou, a princípio, um pouco de resistência. Em todos esses lugares, incluindo as escolas de samba, onde sou muito bem tratada, tem havido uma maior abertura de um tempo para cá. As mulheres estão fazendo mais samba; mesmo assim, ainda se trata de segmento dominado pelos homens.


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