Consumo colaborativo: Eu uso, você usa, nós usamos

Consumo por meio de trocas e compartilhamentos ganha espaço no cotidiano das pessoas. Bom para o bolso e para o meio ambiente

Por: Joyce Moysés  -  16/12/19  -  17:15
Ter uma boa comunicação potencializa todas as nossas outras competências
Ter uma boa comunicação potencializa todas as nossas outras competências   Foto: Imagem ilustrativa/John Schnobrich/Unsplash

Alugar brinquedos e até carros por algumas horas, dividir com estranhos o escritório ou a casa de praia, trocar roupas, hospedar pets, ter carona... Oito em cada dez brasileiros estão dispostos a adotar práticas de consumo colaborativo nos próximos dois anos, revela estudo da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e do Serviço de Proteção ao Crédito (CNDL/SPC).


Um exemplo desses negócios é aBlimoSantos, primeira franquia da empresa paulista considerada uma Netflix de roupas. Funciona como uma biblioteca não de livros, mas de moda. A assinatura mensal permite usar looks do acervo e depois trocar, ao custo em dezembro de R$ 95 a R$ 140.


“Eu sempre desejei ter uma roupa diferente para cada ocasião, recorrendo várias vezes ao armário das amigas e vice-versa. Depois de estudar a relação da indústria da moda com o meio ambiente, esse negócio ganhou novosignificado.Émeu meio de fazer a diferença no mundo”, diz a franqueada BrunaCorralo.


Mariana Terra, empreendedora na Time2Click e sócia daBlimoSantos, acrescenta: “Cuidamos da higienização das peças, diminuindo o tempo para retornarem ao acervo e fazendo com que as pessoas aproveitem mais tudo o que está disponível... Eu, que nunca fui vaidosa, estou descobrindo um mundo além da calça jeans e da #brusinha. Cores, acessórios, transparências, amarrações, sobreposições entram no lugar do pretinho básico. Ousadia que trago para a vida e para quem se permitir compartilhar esse armário com a gente!”


A quase totalidade dos respondentes (98%) da pesquisa da CNDL/SPC enxerga vantagens no consumo colaborativo, como economizar dinheiro e tempo, evitar o desperdício e o consumismo, contribuir com a sociedade e o meio ambiente. Por outro lado, sentem falta de confiança e medo de serem passados para trás (45%), acham que há falta de informação (43%), perigo de lidar com pessoas estranhas (38%) e ausência de garantias em caso de não cumprimento do acordo (33%).


“Desde que a tecnologia ficou mais acessível e coube em nosso bolso, muita coisa mudou. O smartphone impôs uma velocidade de transformações de comportamentos. Há cinco anos, o Uber era desconhecido.AirBnB,iFoode tantos outros aplicativos de serviços são, hoje, quase indispensáveis”, avalia AlexandreWaclawovsky, expert emintraempreendedorismo, inovação e transformação digital. Segundo ele, quem tem mais de 35 anos aprendeu que precisava possuir bens.


Já as novas gerações, empoderadas tecnologicamente, acreditam que o acessar é mais valioso. “Com oAirBnBacesso uma casa incrível, em lugar maravilhoso, sem os custos e os incômodos adicionais de possuir aquele bem. O mesmo vale para carros, local de trabalho etc. Se isso é natural para os jovens, ainda segue como barreira de hábito à geração que foi criada e educada para ter posses”.


Teia das relações


Na avaliação de Ricardo Zagallo Camargo, professor-doutor do Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor da ESPM, os números que contrapõem essa vontade de aderir e a barreira da desconfiança podem ser explicados, de forma geral, pela dificuldade característica de toda ação verdadeiramente coletiva, que a autora Hannah Arendt denomina de “teia das relações humanas”.


“Em seu livro A Condição Humana, ela lembra que essa teia é formada por inúmeras vontades e intenções conflitantes. Então, levar adiante empreitadas coletivas é frustrante para o individualismo contemporâneo [as coisas nunca acontecem do jeito que 'eu quero'], mas também muito rico por gerar criações coletivas surpreendentes”.


Tempo e experiências ajudam


“Falando do Brasil, uma possível explicação para essa desconfiança no outro está na constituição da nossa sociedade, cujas relações sempre foram calcadas no apadrinhamento, no famoso QI (quem indicou) e na busca de privilégios individuais”, diz o doutor.


E qual seria um caminho para reduzir a barreira da desconfiança, do jeitinho brasileiro, que é cultural no Brasil? Na opinião de Camargo, historicamente o processo é longo, especialmente se quisermos transitar do consumo colaborativo por razões individuais (como economizar) para coletivas (contribuir com o meio ambiente).


“Um autor que oferece caminhos é Richard Sennett, no livro Juntos: os Rituais, os Prazeres e a Política da Cooperação. Em entrevista disponível na internet, ele aponta valores e práticas em prol de relações cooperativas: “Expandindo o tempo de contato entre as pessoas e ressignificando a competição, a fim de que seja menos agressiva e mais colaborativa”.


AlexandreWaclawovskydiz que “organizações tradicionais como bancos e montadoras, ao alterar seus modelos de negócios, deverão educar os clientes à nova forma de uso dos serviços. O lado financeiro, geralmente, é o que ‘mais pega’. Dar ou não o número do cartão de crédito e fornecer dados pessoais são questionamentos comuns. O movimento de digitalização dos bancos terá papel fundamental em romper a barreira da desconfiança”.


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