Como se motivar a fazer ao menos uma mudança na vida e o que avaliar antes?

Quando tudo parece previsível e tedioso, quando nos sentimos insatisfeitos ou infelizes, vale dar uma sacudida

Por: Joyce Moysés  -  25/02/19  -  20:52

Todos nós, jovens ou maduros, passamos por fases em que necessitamos de uma mudança, segundo Lúcia Moyses, psicoterapeuta com especialização em Neuropsicologia e Reabilitação Cognitiva. Quando tudo parece previsível e tedioso, quando nos sentimos insatisfeitos ou infelizes, vale dar uma sacudida. Não precisa ser grande. "Variar aspectos rotineiros pode ser benéfico à saúde física e mental", garante ela, que acaba de lançar mais três livros da coleção DeZequilíbrios, composta por dez títulos que exploram a mente humana e os relacionamentos pessoais.


Mudar nunca é fácil. Há pessoas que preferem continuar na mesmice, na dor para não ter que enfrentar os riscos causados por novidades - no trabalho, moradia e até no amor. "Sim, mudanças exigem coragem e disposição. No entanto, quando estamos infelizes, qual seria a outra opção? Se der tudo errado, continuaremos infelizes como já estávamos. Já se der certo, ganharemos uma vida mais prazerosa e gratificante".


Chega de desculpas! Uma vez que alguém constata que deve mudar, precisa tomar cuidado com as desculpas para não agir. A psicoterapeuta explica:


"Nosso instinto de preservação não quer sofrimentos, não quer apanhar da vida. Assim, inventamos desculpas para não sairmos da zona de conforto. Dizem que nunca nos arrenpedemos do que fizemos, e sim daquilo que deixamos de fazer. Talvez isso se deva ao fato de que, quando não fazemos, ficamos sempre na dúvida (a vida poderia estar pior, mas poderia também estar muito melhor...). Não saber acarreta o sofrimento do arrependimento, e quanto mais infelizes nos sentimos, mais acharemos que aquela mudança teria sido para melhor".


Isso implica em jogar tudo para o alto e fazer o que der na telha? Não. Mudanças exigem também [responsabilidade e coerência, na avaliação de Lúcia. Quem pode nos dizer a hora e o caminho? “Nós mesmos, evitando cair depois na tentação do arrependimento. Seria inútil. A mudança já se concretizou. Se deu certo, ótimo. Se não deu, procure mudar novamente. O mundo se move com mudanças. Por que não o homem?”


Aprendizado constante.


Rene Duarte tem 41 anos e atua como educador físico há 20 anos. Divide seu tempo entre atender os alunos na academia e a faculdade de Direito. A conclusão do curso será em 2020. A seu ver, não se deve aguardar um momento bom para realizar uma mudança. “É importante estar em constante progresso e aperfeiçoamento, tendo a ciência de que tudo será diferente; e que, assim como uma criança, passará a ver tudo de um novo modo!” 
É comum perguntarem a ele quanto tempo demorou para decidir investir na advocacia. “Deveria optar por fazer um mestrado, mas declinei. Quanto fiz uma análise, resolvi prestar vestibular para Medicina e não obtive êxito. Porém, já havia traçado um caminho no qual, se não conseguisse entrar, começaria a estudar para tentar a carreira policial, mirando ser agente de polícia no âmbito federal. Após três anos, prestei o concurso, não passei; e assim ingressei em Direito. Foram opções; e essas envolvem tempo, dinheiro, dedicação e foco”. 
Se Rene sentiu medo ou precisou resistir às desculpas que o fariam ficar só na vontade? “Escolher faz parte da vida, e penso que isso independe de outras pessoas. Depende, sim, de quanto você está disposto a abrir mão da sua rotina e assumir desafios. Gosto desta frase do economista Thomas Sowell: ‘É difícil imaginar uma maneira mais perigosa de tomar decisões do que deixá-las nas mãos de pessoas que não pagam o preço por estarem erradas’”. 


Um novo amor.


A mudança também pode ser no terreno amoroso. Vide o dilema da professora aposentada Maria Luiza Souza. É viúva, diz que já completou mais de 70 primaveras (para não revelar sua idade) e despertou a atenção de um “viúvo charmoso que ama cinema, 10 anos mais jovem”. Só que as duas filhas não querem nem ouvir falar do pretendente a namorado. “Elas pensam que ele quer o meu dinheiro, mas há formas legais de me proteger. Conversando com uma vizinha do prédio, abri os olhos para fazer prevalecer a minha vontade. Sou lúcida, adulta e estou pronta para várias matinês dividindo a pipoca com esse viúvo adorável. Se a Fátima Bernardes [jornalista da TV Globo] pode...” 


Querer mais, simplesmente.


A psicóloga Deise Navarro destaca que nem sempre é a insatisfação que leva a mudanças. Ela própria abraçou como primeira profissão a Educação Física. Foi uma escolha autêntica, que fazia feliz. Era bem-sucedida, reconhecida, tinha uma carteira de clientes e um nível de satisfação alto. Apenas não se imaginava nessa ocupação em dez ou 15 anos. 


“Brinco com os jovens que me procuram para orientação profissional que eu estava comprometida com a Educação Física, mas já paquerava a Psicologia, por fazer terapia nos últimos anos e considerar uma experiência muito boa. Na verdade, foi a minha segunda opção de vestibular, quando prestei para Educação Física. O desejo de ser psicóloga clínica ressurgiu na minha vida como um amor antigo”, conta.


Transição suave.


Uma coisa que as pessoas não costumam pensar, de acordo com Deise, é que podem fazer uma transição de carreira gradual, e não brusca, dolorosa, difícil. “Quantas  pessoas ávidas por mudança acabam inibidas por imaginarem que vão virar uma chave ou página, deixando para trás tudo que construíram e viveram? Eu passei alguns anos trabalhando nas duas profissões, até me sentir preparada financeira e emocionalmente para desapegar da primeira”, explica, sugerindo encarar como um processo inclusive de elaboração emocional. “À medida que a minha identidade como psicóloga foi 
se estruturando, ficou delicioso”. Lógico que, se a insatisfação for grande, causando enorme sofrimento com a realidade atual, fica difícil levar as duas coisas juntas. Por isso, Deise recomenda fazer um planejamento financeiro condizente com o salto que pretende dar. No caso dela, poderia ter escolhido uma especialização de dois anos, mas preferiu cursar graduação de cinco anos. “Tem a ver com a minha personalidade. Desde pequena, sempre gostei de estudar. Então, também recomendo afinar o seu desejo de mudança com a sua personalidade. Estudos mostram que cada vez mais as pessoas vão fazer cursos de menor duração, mas que as capacite para uma execução prática, e não teórica”. A propósito, para quem está em sofrimento, mas não consegue mudar, um aconselhamento psicológico ou terapia podem ser de grande valia, na visão de Lúcia: “Ninguém precisa sofrer sozinho”. 


Sem estaca zero. 


Outro pensamento que atrapalha: “Vou largar o que sei fazer, bem ou mal tenho experiência, e partir para algo que não domino?” Não é bem assim. “Saiba que você nunca começará do zero numa segunda ou terceira carreira, por levar a bagagem de conhecimento e experiências acumulada até então para usar de outras formas, elevando seu desenvolvimento nesse segundo ‘relacionamento sério’ com a profissão”, explica a psicóloga. O mesmo vale para casamento, por exemplo, quando a maturidade conta a favor. 


Valorize sua rede de contatos.


Deise acha que o mais interessante na sua história foi o networking construído na primeira carreira. “É bobagem ficar temendo que os conhecidos não confiarão em você fazendo outra coisa. A minha boa fama profissional, de quem fazia um trabalho de qualidade, com certa maturidade e clientes exigentes, fez com que eu fosse indicada aos meus primeiros pacientes, garantindo a manutenção do consultório nos dois primeiros anos. Vinham o tio, o marido, o filho de meus ex-alunos. É por isso que eu sempre falo: seja lá o que for fazer, faça bem feito, porque isso vai repercutir positivamente na sua vida”.


Mudança normalmente envolve coragem, amadurecimento, exposição, riscos, desafios (vários!). Deise reforça ser natural que surjam receios. Como estuda Neurociência, diz que o cérebro tenta identificar se estamos diante de uma ameaça ou recompensa – e a mudança vem, num primeiro momento, como ameaça. Daí o cérebro nos direciona a pensar nas dificuldades. Mas é necessário plantar hoje o que cada um vai querer colher no futuro para si. Vá buscar autoconhecimento para entender melhor o seu desejo e ajudar seu cérebro a enxergar recompensa, em vez de apenas dificuldades, que devem ser vistas como desafios ao seu crescimento. O próximo passo é começar a mudança, já prevendo soluções para os riscos existentes. “Não basta saber o objetivo, mas decidir como chegar lá. Vá pesquisar, conversar com quem tomou uma atitude na mesma linha”, indica Deise, que usa esta analogia com pacientes em processos de coach: imaginar o objetivo do outro lado de um abismo. “Depois de olhar e saber que é aquilo que almeja, lembre-se de que cada passo que der revelará uma ponte até então invisível. Você não enxergava, mas ela estava lá”. Deise continua grata à primeira profissão e ainda mais feliz com a segunda nesses últimos nove anos. Olhando para frente, três, quatro anos parecem muita coisa, mas, depois de ultrapassar, esse tempo representará pouco perto da felicidade que poderá sentir.”


Os sinais e a adaptação. 


O estrategista de negócios Jorge Penillo atende profissionais que procuram transição de carreira, e muitos deles eram empregados com carteira assinada (CLT). Sua primeira atitude é procurar os sinais que evidenciam essa mudança, como: 1. Total desânimo com o emprego atual. 2. Não vê propósito no que faz. 3. Falta inovação nos processos de trabalho. 4. Não suporta superiores autoritários que não aceitam sugestão. 5. Não tolera mais tanto tempo desperdiçado em deslocamento. 6. E nem a enganação de que é preciso ficar até tarde para parecer que produz mais. 7. Não aceita perder qualidade de vida em troca de dinheiro. 8. Não confia em colegas e se envolve em conflitos internos. 9. Não acredita mais no produto da empresa. 10. Não admite políticas sujas e atos de corrupção locais. 


“Desses dez, não precisa muito para perceber que é hora de mudar. Caso apresente dois ou mais, é apenas questão de tempo para você mudar”, afirma Jorge, que é graduado em Administração de Empresas, com MBA em Estratégia Empresarial, especialização em Neurociência e media training, autor do livro Iniciando Uma Carreira Brilhante. Algum tempo atrás, profissionais insatisfeitos corriam para as redes de franquias, conforme o estrategista. As startups viraram a bola da vez. Afinal, quem não gostaria de criar uma empresa na garagem de casa e em dois anos receber proposta milionária de compra por um gigante do setor? Assim foi com a Apple e o Facebook, entre outros. Ele esclarece que startups são toda e qualquer empresa disruptiva, que quebre a cadeia de valor tradicional. Por exemplo, quem ama fazer bolos caseiros e inova na forma de distribuir, criando um aplicativo Quero Bolo, é uma startup. Mas, assim como franquias, requer gerenciamento de riscos. O próprio Jorge saiu de uma empresa de energia após 30 anos, reinventou-se e criou uma startup de educação. “Hoje, tenho alunos virtuais através da Academia da Carreira e utilizo o Whatsapp como canal de venda. Charles Darwin, pesquisador da evolução das espécies, concluiu que sobrevive quem mais rápido se adapta às mudanças do ambiente. Pois bem, sobreviverá quem mais rápido se adaptar a esse admirável mundo novo”, avisa.


Cuidado com radicalismos. 


Pequenas mudanças também fazem a diferença. “O importante é avaliar prós e contras. Para uma pessoa que se sente infeliz no casamento, a separação não é a única mudança possível. Uma conversa aberta com o companheiro, uma avaliação sincera do que está errado naquela relação ou até mesmo 
uma terapia de casais pode ajudar na reconciliação e trazer menos sofrimento a ambos”, analisa a psicoterapeuta. Às vezes, é preciso pensar grande e correr o risco, igual a demolir uma casa para construir um lindo prédio de três dormitórios. “Como saber se jogamos tudo para o alto e embarcamos em uma mudança significativa ou se adotamos pequenas atitudes ou ações? “Vai depender do quanto estamos infelizes, cabendo bom senso e sinceridade ao analisarmos nosso bem-estar”, responde Lúcia. 


Influências das redes sociais.


Até que ponto elas influenciam seu modo de ver a própria vida? Não há perfeição. Todos têm problemas, altos e baixos, mesmo que nas redes sociais só se enfatizem os bons momentos.


Lúcia aconselha utilizar uma lente imparcial: “Será que precisamos mesmo morar em Portugal? Só se falava nisso nas redes sociais. País maravilhoso que acolhebem os brasileiros aposentados. Entretanto, nem todos se deram bem com essa experiência. Venderam ou alugaram suas casas no Brasil, não se adaptaram, querem voltar e não sabem como”. 


Quem disse que a experiência do outro vale para todo mundo? “Antes de qualquer mudança, sejamos sinceros conosco. Olhar fundo para o nosso ego, o nosso eu verdadeiro, em vez de seguirmos a moda, irresponsavelmente. O único sucesso que podemos ter na vida é a nossa felicidade. Vale a pena lutar por ela. Se isso exige mudanças, vamos à luta”, finaliza Lúcia. 


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