Busca pela perfeição pode atrapalhar execução de tarefas

Aceite os erros, troque o relógio por bússola e ganhe agilidade mental coma Técnica do Pomodoro

Por: Joyce Moysés & Da Redação &  -  29/04/19  -  11:39
Está faltando tempo ou sobrando perfeccionismo?
Está faltando tempo ou sobrando perfeccionismo?   Foto: Adobestock

O perfeccionismo é um dos grandes vilões atuais para sua produtividade ser engolida. O outro é a falta de tempo, só que muitas vezes as duas coisas estão relacionadas. Afinal, a busca pelo resultado perfeito pode transformar em tortura a execução de certas tarefas. Quantas vezes algo que estava bom, bonito, resolvido é estragado com lapidações em excesso? Ou, então, o trabalho é iniciado com esmero, máxima atenção às minúcias, mas finalizado de forma atropelada, na maior correria?


Seja um relatório do trabalho, seja uma prova da faculdade, “o autor perfeccionista acaba entregando depois do prazo ou incompleto, simplesmente por ter gasto tempo demais com detalhes pouco relevantes ao resultado. Ao final, os prejuízos com atrasos e distribuição desigual do esforço acabam não compensando”, alerta a psicoterapeuta e coach comportamental Cacilda Amorim, com mestrado em Psicologia Experimental – Análise do Comportamento, que é diretora clínica do Instituto Paulista de Deficit de Atenção (IPDA), voltado a diagnósticos e tratamentos de ansiedade, depressão, TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade), problemas de aprendizagem, comportamentais e profissionais para crianças e adultos.


De modo geral, os perfeccionistas sabem que alcançar a perfeição é impossível. Ainda assim, continuam buscando resultados e/ou padrões irrealistas. “Ou seja, não se trata de dificuldade para entender os fatos da vida, mas, sim, de uma tentativa inflexível de não aceitar a vida como ela é. Cada um terá seus motivos para isso, porém há um fator principal: o de querer escapar de algum desconforto ou mal-estar (incluindo uma insatisfação consigo mesmo), tentando mostrar aos outros que consegue ser capaz, belo, competente. No limite, ser reconhecido e aceito”. 


Pessoas com forte autocrítica, ideias e atitudes ultrarrígidas, segundo a expert, são vítimas potenciais de ansiedade e baixa estima: “Por se sentirem inferiores, precisam compensar este mal-estar de alguma forma.


E, normalmente, o perfil perfeccionista tem tendência a comportamentos compulsivos, rígidos e hiperfoco em várias áreas da vida. Com isso, apresenta dificuldades para priorizar, colocar as coisas em perspectiva, ter flexibilidade em ajustar seu esforço às demandas atuais, entender o que mais as pessoas esperam dele”. 


Tudo bem errar e não agradar


Os erros são parte natural da vida, do crescimento e da aprendizagem. No entanto, aqueles que buscam a perfeição cultivam a ilusão de que é possível viver sem falhar e curtem padrões de moralidade e de comportamento que não contemplam nenhuma flexibilidade ou exceção. Pessoas perfeccionistas podem se preocupar além do razoável com padrões externos (de beleza, por exemplo), achando que têm algo de errado com elas se não os atingem. Elas tentam ajustar a sua vida a expectativas irrealistas ou a níveis descomunais de desempenho. 


Qual alívio essa pessoa ganha? “O de se entregar a uma fantasia de que, assim que alcançar a perfeição, estará feliz e realizada. É como se ganhasse um alívio temporário, por pensar: ‘Quando eu conseguir ser perfeita, minhas falhas serão superadas, minha angústia poderá finalmente ser resolvida’. No exemplo da idealização do corpo, há vários relatos de gente que engata uma cirurgia atrás da outra. Resolveu o nariz, agora o drama é o queixo. Depois, outros problemas aparecerão”, alerta Cacilda.


Em alguns casos, há por trás uma história de vida (geralmente na infância) sofrida, sem afeto ou cuidados. “A pessoa pode carregar um sentimento de culpa ou inadequação profunda, que a faz desenvolver uma estratégia compensatória para tentar obter a aceitação do outro – sendo a mais boazinha, a mais bonita ou, ainda, a mais competente. Enquanto busca esse mais qualquer coisa, tem a sensação de esquecer a dor gerada em seu passado”.


Motivos para ser perfeccionista não faltam, portanto. A questão é como lidar com essa característica que muitos associam à insegurança. Nem sempre! Cacilda esclarece: “Várias pessoas temem falhar, mas ainda assim não desenvolvem perfeccionismo. Insegurança pode levar uma pessoa a travar, desistir, tornar-se dependente, entrar em relações abusivas etc., não exclusivamente ser perfeccionista. A essência desse último caso é o alívio momentâneo que a busca pela perfeição pode trazer, somado à fantasia de onipotência de quando eu conseguir”. Enquanto isso, o relógio trabalha...


Faça o seu melhor, e pronto


Combater o perfeccionismo implica, de acordo com a psicoterapeuta, em manter uma mentalidade de crescimento, “um mindset no qual você busca dar o seu melhor. Ter o compromisso de aprender com os erros, agradecendo pela oportunidade de fazer diferente da próxima vez. Também questionar o padrão de perfeição ou as exigências em excesso de terceiros, possuir flexibilidade mental para sair do piloto automático de simplesmente ir fazendo as coisas como os outros fizeram. Nesse mundo acelerado em que vivemos, é importante ter em mente que a energia e o tempo são recursos limitados, usando-os da maneira mais eficiente/sustentável possível”. 


“O mundo não vai esperar ninguém alcançar a perfeição para entregar aquele relatório. Assim como passar horas acertando o tamanho das letras ou as cores de um Power Point não impressiona se isso o fizer chegar atrasado a uma reunião”, opina Cacilda, sugerindo seguir a regra dos 80/20. É o que aponta o famoso Teorema de Pareto: “De todos os seus esforços, 20% deles são responsáveis por 80% dos resultados”, resume ela, que disponibiliza no site do IPDA (https://dda-deficitdeatencao.com.br) um teste para quem quiser saber se é um perfeccionista ou não, além de explicações sobre a sua incidência em pessoas com deficit de atenção. 


Uma horinha a mais


O psicólogo Marcelo Egéa, com especialização em Administração pela Fundação Vanzolini (Poli USP) e 30 anos de experiência em Gestão e Desenvolvimento de Recursos Humanos, abordou o Teorema de Pareto ao tratar do tema Produtividade Pessoal: o Relógio, a Bússola e o Incenso em evento da PWN (Professional Women’s Network) no mês de abril, em São Paulo. Seu intuito foi provocar reflexão nas participantes, executivas e empreendedoras em sua maioria, sobre estarem ou não otimizando apenas 20% do tempo, por quererem dar conta de tantos papéis femininos com perfeição. Ele começou sua palestra perguntando: O que você faria com uma hora a mais no seu dia? Tomaria um café em boa companhia? Trabalharia mais? Passaria mais tempo com a família? Simplesmente dormiria? Daria um mergulho no mar?


Em seguida, mostrou um relógio e a frase A vida é um intervalo finito de duração infinita, extraída do livro O Valor do Amanhã, do economista Eduardo Giannetti, que ele considera genial: “Sabemos que vamos morrer em algum momento, só que o que torna a vida estimulante é não saber quando. Então, o que eu devo fazer é utilizar todo tempo disponível para tirar dessa vida o que mais me importa, sem firulas e desapegando daquilo que torna meu caminho pesado ou infeliz. Mas quantos de nós tomam essa decisão? Estamos tirando da vida o que ela pode nos dar de melhor?”


Há quem diga que faz essa reflexão, mas acha difícil definir o que pegar e largar entre tantas opções e obrigações. Marcelo gosta de pensar na vida como uma pizza com quatro grandes pedaços: trabalho, família, vida social e pessoal. “Teoricamente, não precisamos obedecer a ninguém mais além de nós, temos livre arbítrio. A natureza nos deu igualmente 24 horas por dia. Talvez você goste da ideia de acender um incenso e reservar 20 minutos diários para meditar. Pode ser que coloque mais tempo no trabalho, o que não é errado. Ele faz com que se sinta bem, uma pessoa íntegra, e paga seus sonhos. Mas vale a pena se questionar sobre como está dividindo a sua pizza”. 


Se alocar mal seu tempo, sendo perfeccionista, por exemplo, vai ter resultados pífios, mesmo se ganhasse uma hora a mais. “Em compensação, se eu defino com clareza como equilibrar as 24 horas entre os pedaços da pizza conforme os ingredientes que me são mais interessantes; se eu descubro o que faz grande diferença na minha vida, é ali que tenho de colocar mais do meu tempo. Como recompensa, meu resultado (que são a minha satisfação, o meu prazer, a minha sensação de plenitude) será muito maior”. 


Troque o relógio pela bússola


Isso não significa que conseguirá fazer tudo que gostaria e nem perfeitamente. É na escolha, nessa decisão de como usar as suas 24 horas que está o segredo. É por isso que vários autores sugerem largar o relógio e pegar uma bússola. “Para ter um norte. Sem saber aonde quer chegar e o que está no seu coração, vai querer uma hora a mais para quê? Igualo isso a comprar um armário novo, porque precisa de mais espaço; e logo acaba enchendo-o de coisas que talvez nunca use. Ganhar uma hora a mais, se você não souber o que quer, vai se transformar num armário novo cheio de tranqueiras”, avisa Marcelo, que é sócio-diretor da SerTotal e organizou por nove anos as rodadas brasileiras do Global Management Challenge (GMC), competição internacional baseada em simulação de negócios, presente em mais de 30 países.


Outro ponto a refletir: está trocando o que você quer fazer pelo que precisa fazer só por causa da sua ânsia por perfeição? “É essencial estabelecer prioridades, e isso exige ser um pouco egoísta e autocentrado. Tenho uma amiga que escreve em alguns lugares da agenda a palavra Kibon, mas seus clientes não sabem o real significado: que bom que não tenho nada para fazer. Tem gente que não baixa aplicativos no celular do trabalho que facilitem distrações. É uma forma bastante atual de dizer não”, opina o psicólogo. 


A Técnica do Pomodoro é outra forma simples de promover agilidade mental ao criar blocos de concentração intensa.Foi desenvolvida pelo italiano Francesco Cirillo, quando cursava a universidade no final dos anos 1980. Consiste em utilizar um cronômetro (Cirillo recorreu a timer de cozinha no formato de tomate – pomodoro, na língua dele –, sendo que atualmente há aplicativos para facilitar o uso dessa técnica) para dividir a sua lista de tarefas diárias em períodos de 25 minutos, separados por breves intervalos. 


Quando o timer tocar, anote o status da sua lista (20% concluída, por exemplo), descanse fazendo outra coisa e volte a trabalhar por mais 25 minutos. A cada quatro ciclos, vale fazer um intervalo maior para “oxigenar o cérebro”. Esse método também ajuda a evitar aquela vontade do perfeccionista de não querer parar. 


Confissões de uma perfeccionista


“Quando soube dessa Técnica do Pomodoro, fui conhecê-la melhor e até descobri outros métodos de produtividade”, conta Rose de Almeida, sócia- fundadora da empresa de prestação de serviços de comunicação Rent My Brain, idealizadora da metodologia Conversadoria de Atendimento de Clientes e editora do portal Mice Business, voltado a viagens corporativas e eventos. 


“Confesso que, quanto mais eu lia, mais me sentia improdutiva. Além de não estar habituada a seguir um método de gerenciamento do tempo, mantenho a cabeça a mil, mas não chego a realizar 10% do que pensei. Daí, refletindo sobre o tema desta reportagem, me perguntei se tenho sido improdutiva por querer ser perfeita. É claro que sim!”, conclui Rose, que é autora de três livros pela Editora Matrix, tem marido há 26 anos e três filhas, lê um livro por mês e adora ver séries de investigação criminal quando sobra um tempinho. 


Para ela, tudo funciona, se encaixa, está coordenado, é brilhante no plano do pensamento. Na prática, as variáveis são muitas para atrapalhar o resultado final. “Uma opinião contrária é capaz de desmoronar uma ideia, a falta de um recurso pode comprometer a qualidade, o tempo subestimado para a tarefa tende a diminuir o ânimo para a sua realização. Eu até tento impor uma certa metodologia para ganhar produtividade”, admite ela, que se considera rainha das listas to-do (expressão em inglês que significa para fazer) e vai escrevendo-as em bloquinhos, cadernos, post-it do celular. 


“Só que eu começo a fazer e logo me perco em divagações, redes sociais, trocas de e-mails ou pesquisando outras coisas que vão aparecendo aleatoriamente. O bom é que, depois de alguns dias, quando volto às listas, noto que já realizei algumas tarefas, mesmo que na correria, por terem virado urgência. Ou seja, o prazo acaba sendo o meu melhor patrão”, diz, indicando que o tempo a faz priorizar, aliviando o perfeccionismo, para ter resultado. 


A partir dessa reflexão, motivada pela pesquisa que fez sobre a Técnica do Pomodoro, Rose se diz mais consciente de que pode ser mais produtiva se estiver mais concentrada naquilo que tem de ser realizado, lembrando que feito é melhor que perfeito. “Acho que eu tenho salvação!”


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