Atriz e empreendedora, Suzana Pires tem instituto para empoderar mulheres: 'Sei o meu valor'

Não foi fácil para Suzana construir uma carreira de sucesso, principalmente como autora de TV. Ela teve de vencer o machismo. Hoje, concilia a arte com a entidade Dona de Si

Por: Stevens Standke  -  05/07/20  -  17:37
  Foto: Gustavo Nogueira/ Divulgação

Suzana Pires, como ela mesma diz, é o tipo de mulher que, desde cedo, já saía por aí causando, por questionar a tudo e a todos. Basta ver que ela começou a estudar o feminismo com 14 anos. Em paralelo à bem-sucedida carreira de atriz, ela precisou se esforçar ainda mais para se firmar como escritora, em uma época em que praticamente não havia mulheres roteiristas na TV.


Superligada em moda, Suzana resolveu se desfazer da sua coleção, com 12 bolsas da Chanel, em 2018, para conseguir o dinheiro necessário para montar o Instituto Dona de Si, entidade que procura capacitar e empoderar empreendedoras das mais diferentes áreas. Detalhe: a entidade permitiu que Suzana lançasse uma coleção de bodies e bolsas inclusivas, no ano passado, em parceria com o estilista Amir Slama.


Na entrevista a seguir, a carioca de 44 anos, que é formada em Filosofia, fala também do seu novo filme e do quanto está curtindo a edição especial da novela Fina Estampa.


CORAGEM Quem veio primeiro: a atriz ou a escritora?


As duas meio que vieram juntas, mas a atriz, vamos dizer assim, é a líder do bando, porque ela teve a coragem de se expor primeiro. Passei a fazer teatro no Tablado, no Rio, com 14 para 15 anos e a minha carreira profissional de intérprete começou dois meses depois. Nunca mais parei desde então.


Aí está o motivo de, apesar da minha idade (44 anos), eu ter uma trajetória tão longa. Quanto à autora, escrevo desde criança, mas demorei para ter segurança suficiente para mostrar os meus textos para alguém. Por isso, num primeiro momento, segui apenas como atriz, fazendo uma peça atrás da outra, além de trabalhar na TV Manchete.


Mais para frente, na hora do vestibular, decidi prestar para o curso de Filosofia, pois já havia tido essa matéria na escola e, naquela época (anos 90), era o tipo de formação que existia para alguém se tornar roteirista no Brasil, por permitir estudar a tragédia grega, a origem da dramaturgia.


Que maneira curiosa de se formar roteirista...


Quando quero algo, eu sou muito fuceira. A PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio é conhecida por ter um olhar diferenciado da arte e, fuçando, descobri que seu Departamento de Filosofia costuma fazer uma leitura da filosofia junto com a arte, o que me interessou bastante. Depois do horário das aulas, havia grupos de estudo nessa linha e eu frequentei todos eles. Foi a melhor coisa que fiz na minha vida.


Ao estudar a tragédia grega, a gente tem contato com o livro Poética, do Aristóteles, que basicamente é um manual de roteiro. Até hoje, usamos a mesma técnica adotada na Grécia Antiga. Todo esse conhecimento que adquiri na faculdade trouxe a coragem que eu precisava para me assumir como escritora.


Portanto, quando me graduei, aos 25 anos, dei início à minha carreira profissional de autora, que sempre consegui conciliar com a de atriz. A princípio, escrevi mais para o teatro, depois fui para a Conspiração Filmes, produzi o roteiro da minha peça de maior sucesso, De Perto Ela Não É Normal, e entrei para o time de roteiristas da Globo.


Mas o que realmente despertou o seu interesse pelas artes cênicas?


Sou de uma família de engenheiros e advogados, só que, desde que me entendo por gente, tenho essa inclinação para a arte. Ainda pequena, fazia shows nas casas das pessoas. Algumas vezes, imitava a Rita Lee, a Madonna e a Elba Ramalho; em outras ocasiões, apresentava uma pecinha.


Com 10, 11 anos, de tanto eu insistir que queria ser artista, meu pai disse que, quando eu fosse para o segundo grau, ia me deixar fazer teatro. Foi tudo muito planejado, sabe? Meus pais têm essa característica e eu puxei isso deles. Foi assim que entrei no Tablado.


SUCESSO Quando escreveu De Perto Ela Não É Normal, imaginava que essa peça seria tão decisiva na sua carreira?


O que eu sabia era que esse espetáculo ia ser decisivo para mim do ponto de vista pessoal, por ser a primeira vez em que eu estaria me arriscando em três posições ao mesmo tempo: como atriz, produtora e autora da peça. Não podia esperar que a sessão de estreia já seria lotada e que esse trabalho ia mudar radicalmente a minha carreira.


Até então, eu era uma atriz que, graças a Deus, sempre trabalhou bastante, só que o espetáculo me trouxe popularidade. Fiquei conhecida do grande público, ganhei projeção na TV e ainda fui para o cinema. Hoje, De Perto Ela Não É Normal é um case de empreendedorismo. Gastei R$ 3 mil para levantar a peça, que nunca saiu totalmente de cartaz, e ela acabou dando origem a uma websérie e a um filme inédito, que está prontinho e tem orçamento de R$ 7 milhões.


A única coisa que eu queria quando estreei o espetáculo, em uma sala para 100 pessoas, era a chance de apresentá-lo em um teatro grande, o que demorou de três a quatro anos para acontecer.


Tem ideia de quando vai lançar o longa?


Já era para ele ter estreado. O trailer saiu uma semana antes do Carnaval. Eu estava me preparando para começar a viajar o Brasil todo para promover o lançamento, mas veio a quarentena e tivemos de adiar a estreia, que, agora, deve ocorrer no ano que vem. No final das contas, acho que vai ser bacana o longa ser disponibilizado depois disso tudo, porque ele é leve, tem uma mensagem de vida, de renovação.


DIVERSIDADE Como funcionou a cláusula de inclusão, que você fez questão de respeitar na hora de escalar a equipe do filme?


Essa foi uma exigência minha, em prol da diversidade. Hoje, com os recentes protestos e tudo mais que aconteceu, o debate desse tipo de questão é mais do que obrigatório, mas, mesmo antes disso, eu já me preocupava com esse aspecto há bastante tempo.


Não gosto de lugar onde só tem gente igual. Não acho que ganhemos algo ao reunir só pessoas brancas ou, então, homens, mulheres e assim por diante. Acredito na inclusão da diversidade e no diálogo entre esses talentos e suas experiências.


Desde Sol Nascente, novela que assinei na Globo e na qual pude compor o elenco, já imprimi ali um pouco do que defendo: na história, havia uma família de ascendência japonesa, uma italiana e uma africana. Quando fui acertar o projeto do filme De Perto Ela Não É Normal, a produtora se mostrou bem receptiva à cláusula de inclusão, o que exige que repensemos os postos de liderança e procuremos talentos que não se encontram no mainstream.


Me sinto responsável por ajudar a construir as pontes para dar espaço para os talentos que não costumam ter vez. Isso tem a ver com o trabalho do instituto que fundei em 2018, o Dona de Si.


  Foto: Gustavo Nogueira/ Divulgação

Ter uma entidade como essa era um sonho antigo?


O instituto foi um caminhão que me atropelou e eu me joguei dentro dele. Comecei a escrever numa revista coluna chamada Dona de Si, sobre o quanto ainda engatinhamos na independência da mulher. Conforme os textos passaram a repercutir, me vi fazendo palestras, workshops e, com o tempo, bateu a vontade de meter a mão na massa para valer.


Foi aí que decidi criar o instituto, que tem por objetivo capacitar e empoderar mulheres. Focamos a princípio em profissionais do audiovisual, que é a minha área. Depois, expandimos para cinco segmentos da economia criativa e, hoje, lidamos com todas as áreas, porque o foco é formar empreendedoras protagonistas de suas vidas.


De 2008 para cá, já foram mais de mil aceleradas, algumas se destacando nos seus segmentos, e há quase um mês, colocamos no ar plataforma on-line de transformação feminina no www.institutodonadesi.com.br, para ampliar ainda mais a abrangência do nosso trabalho.


REFERÊNCIA Compartilha com essas mulheres as dificuldades que você sofreu na profissão?


Sem dúvida. Enfrentei e continuo enfrentando várias dificuldades. Eu não contei com uma referência de atriz que, além de fazer bem papéis sensuais ou mesmo engraçados, também fosse autora. Atualmente, já existem diversas profissionais com esse perfil. Algumas delas vêm conversar comigo e dizem que se espelharam em mim. Sempre defendi que, se você tem dois, três talentos, não precisa escolher um só, pode unir todos eles.


Quando você começou como autora na Globo, a Gloria Perez era a única mulher entre os principais dramaturgos da emissora. Sem falar que as equipes de roteiristas eram compostas basicamente por homens. Como lidou com isso?


O maior desafio foi me fazer ser ouvida. Encarei resistência em todas as equipes de roteiristas de que participei até trabalhar com o Walther Negrão. Ele sempre me ouviu e nos anos em que trabalhamos juntos me preparou para me tornar uma autora titular.


Antes de integrar a equipe dele, precisava usar truques, como falar mais alto, para impor as minhas ideias com muito esforço. E eu nunca escondi isso, dizia o que achava na cara dos meus colegas, que são meus amigos até hoje e mudaram bastante as suas condutas.


Essas situações me fizeram crescer, me empoderaram de tal forma que perdi o medo dos meus colegas e, algumas vezes, me coloquei de maneira bem dura. Chegou uma hora em que decidi que não ia agradar mais ninguém e isso foi determinante.


Por que renovou apenas o contrato de atriz com a Globo?


Fiquei 15 anos fazendo as duas coisas na emissora. Com o instituto, vi que poderia levar a minha criação para outro lugar, que é o braço do Dona de Si voltado à produção de conteúdos conscientes. Minha equipe de roteiristas do instituto tem só mulheres, de diferentes partes do País, e desenvolve conteúdos para plataformas variadas, não apenas para a TV aberta.


Como a minha relação com a Globo é de muita honestidade e confiança, expus para eles a minha necessidade de viver essa experiência no Dona de Si, até porque, quando você fica tempo demais no mesmo local, o seu olhar tende a se tornar limitado. O pessoal da Globo me apoiou, como sempre, e ficou acertado que, em paralelo ao contrato de atriz, posso chegar e sugerir projetos para a emissora.


Tem alguma novela em vista?


Eu estava escalada para o elenco de uma próxima atração, mas, com a pandemia, tudo se encontra paralisado. Por enquanto, estou curtindo a reprise de Fina Estampa. A Marcela foi uma personagem que me deu muito trabalho, as pessoas me xingaram demais por causa dela. Lembro que eu chegava aos lugares e tinha gente que ficava muda me olhando (risos).


FEMINISMO Na sua opinião, qual é o maior desafio da mulher moderna?


Leio sobre feminismo desde os 14 anos. Ou seja, desde cedo já sou de chegar desagradando, questionando, só que, no fundo, sou uma fofa, a melhor amiga que você pode ter (risos). Respondendo à sua pergunta: o maior problema da mulher hoje é a sobrecarga. A gente está exausta! Precisamos rever o nosso protagonismo, para termos, de fato, o empoderamento. Eu sou girl power porque sei o meu valor, possuo a minha fragilidade e tenho noção de até onde posso ir.


Acha que as mulheres, na tentativa de se impor, acabaram se equiparando com os homens, inclusive, em alguns aspectos masculinos que não são nada legais?


Eu acho que sim. No Instagram, recebo diversas mensagens de homens. Alguns parabenizam pelo meu trabalho e pelas posições que tomo. Outros querem me dar um “toque”.


Teve uma situação bem engraçada. O cara escreveu: “Suzana, mesmo você sendo desse jeito, continuo te achando gostosa”. Respondi: “Amado, superobrigada, mas o fato de você me achar gostosa não me define”. Aí, ele, sem entender o que eu havia dito, começou a ser grosseiro e deixei a conversa pra lá.


São essas pequenas coisas que a gente precisa desconstruir. Em breve, será necessário debater o masculino tóxico, pois muitos homens estão completamente perdidos.


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