'As pessoas estão muito egoístas. Individualidade virou individualismo', diz Reginaldo Manzotti

Um dos padres mais populares do país, ele comemora 25 anos de vida religiosa com muitas novidades. E fala ainda sobre como ser mais feliz e ter paz interior

Por: Stevens Standke  -  18/02/20  -  23:39


Não é à toa que Reginaldo Manzotti ficou conhecido como o padre que arrasta multidões. Em 2018, ele celebrou em Fortaleza, no Ceará, a terceira maior missa do Brasil, para 1,9 milhão de pessoas. Fenômeno editorial, já vendeu mais de 5,7 milhões de livros e se prepara para publicar no mês que vem sua 20ª obra, As Muralhas Vão Cair – Como Fazer o Cerco de Jericó em sua Vida. Fora isso, lança hoje o 15º álbum de sua carreira musical, o EP Tempo de Inovar, e entre março e abril, libera seu quinto DVD, também chamado Tempo de Inovar.


Mais: tem 6,7 milhões de seguidores no Facebook, 2,6 milhões no Instagram, 672 mil no Twitter e 1,37 milhão de inscritos no seu canal do YouTube. Para completar, o padre, que fez 25 anos de vida religiosa em janeiro e já foi indicado ao Grammy Latino, ainda apresenta programas de rádio e TV e mantém a Associação Evangelizar é Preciso. Na entrevista a seguir, o paranaense de 50 anos fala também dos dilemas enfrentados pela maioria das pessoas no mundo atual e das atividades como pároco do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe e de Jesus das Santas Chagas, em Curitiba.  


MÚSICA O que o público pode esperar do EP Tempo de Inovar


Ele sai hoje, com quatro músicas. Duas já são conhecidas: Vou para o Alvo, parceria com Alok, e Hora de Amar, com a participação de Maiara & Maraísa. As outras duas faixas, inéditas, são A Rocha é Jesus, que tem um título dúbio, até de brincadeira, porque a música é no ritmo do arrocha; e Celebra o Rei, com batida boa, de eletrobrega. Aí, entre março e abril, lanço DVD com o registro do show que fiz em outubro em Curitiba. Ele também vai se chamar Tempo de Inovar e terá participações de Alok, Naiara Azevedo e Gustavo Mioto. 


Você tem gravado muitas músicas com artistas famosos e de gêneros bem diferentes. O que mais motiva esse tipo de parceria? 


Essas músicas são importantes, pois não devemos pescar só no aquário. Às vezes, corremos o risco de falar para nós mesmos, usando terminologias, palavras que apenas padres ou quem é de Igreja entende. O papa Francisco tem batido muito na tecla da Igreja em saída, que é justamente você dialogar com público diferente do que vai à missa. O religioso tem obrigação de manter quem já está na Igreja, mas também precisa tentar trazer de volta as ovelhas que se desgarraram. Ao gravar com artistas como o Alok e passar mensagem cristã, de valores, chego até pessoas que normalmente não atingiria. 


Apesar de arrastar multidões, essa abordagem mais popular que você e outros padres famosos dão para a religião também é criticada por algumas pessoas. Como lida com isso? 


Pode ter um ou outro que critique, mas as críticas são bem-vindas, porque nos fazem crescer. No fim das contas, a aceitação do trabalho realizado é bem maior, tanto do povo de Deus quanto dos bispos. Em vez do termo popularização, prefiro usar disseminação do evangelho, o que é bem diferente. Mantenho o conteúdo e o adapto para o que as pessoas falam e escutam no dia a dia. Ou seja, são respostas atuais para perguntas atuais. Tudo isso está dentro de um grande projeto, que é a obra da Associação Evangelizar é Preciso. 


  Foto: Divulgação

LACUNA De onde veio a ideia para montar a associação? 


Quando me tornei padre, a 25 anos atrás, o papa São João Paulo II dizia que era preciso evangelizar com novo ardor e novos métodos. Notei que a Igreja havia deixado uma lacuna nos meios de comunicação e estava colocando de lado até mesmo as escolas ligadas a ela. Resolvi preencher esse espaço que estava vazio, evangelizando na mídia. Com o tempo, me dei conta de que já tinha conquistado uma certa notoriedade, gravando CDs e fazendo programas de rádio e TV, e entendi que era preciso criar algo em torno de mim, que fosse maior do que a minha pessoa. Assim surgiu a associação, há 15 anos.  


Quais são as principais ações dela? 


O maior objetivo é anunciar Jesus Cristo de todas as formas possíveis. Produzimos programas de rádio e TV com conteúdo de qualidade para a família católica, que são exibidos e retransmitidos por mais de 1.600 emissoras, dentro e fora do País. Os outros pilares da associação são fazer caridade, intercessão e leitura orante e promover a devoção a Nossa Senhora e a Jesus das Santas Chagas. Hoje, ajudamos 10 mil crianças da Pastoral da Criança, além de vários asilos e instituições de caridade.  


CACHÊ E como foi que você despertou para a música? 


Foi algo natural. A música sempre esteve presente na minha família e, no seminário, a gente canta bastante. Mas resolvi gravar meu primeiro CD, em 2003, em nome da missão, para que as pessoas que fossem à Igreja soubessem o que seria cantado. Acredito que a missa bem participada, do ponto de vista musical, cria mais laços e eleva a pessoa, fazendo com que esteja mais presente e deixe de ser simplesmente uma espectadora. O meu primeiro CD deu muito certo e passei a investir nessa carreira, porque, acima de tudo, entendi que a música é poderoso instrumento de evangelização, que ajuda a chegar aos corações dos fiéis. 


Realmente não cobra cachê para fazer shows e ir a eventos? 


Essa foi uma decisão que tomei lá atrás, pois, se de graça recebeste, de graça dai também. Ainda fiz o propósito de não me colocar como artista e, sim, como evangelizador. Não critico quem faz diferente, mas o modo de vida que escolhi, na associação que Deus me inspirou a fundar, é ter a gratuidade de base. A Evangelizar é Preciso funciona com colaborações voluntárias que recebemos mensalmente. Procuro não cobrar ingresso nos shows, no entanto, se há necessidade de estabelecer algum tipo de entrada, estipulo que os convites sejam trocados por alimentos, fraldas ou materiais de higiene pessoal para doação. No camarim, peço apenas o necessário para manter a força: uma garrafa de café e algumas bananas. Outros cuidados que tenho são jamais celebrar missas em lugares fechados, que impeçam o povo de estar presente, e não participar de eventos com rodeios, por pregar o respeito aos animais.  


VOCAÇÃO Entrou no seminário com quantos anos? 


A minha vocação brotou bem cedo. Além de vir de uma família católica, fui tocado pelo trabalho exemplar de um padre da minha cidade natal, Paraíso do Norte, no Paraná. Aos 11 anos, escrevi para o seminário, dizendo que gostaria de seguir a vida religiosa, e um padre foi me visitar. Por causa disso, aos 12, já estava no seminário. A partir daí, teve início todo um processo de discernimento, porque a vocação é um chamado que pode crescer, diminuir ou se extinguir. Acredito que muitas pessoas são chamadas à vida religiosa, só que não ouvem esse chamado ou não reforçam, não alimentam a vocação. 


Mesmo com uma agenda tão corrida, consegue fazer batismos, casamentos e outras atividades comuns na vida de um religioso? 


Sim, sou pároco-reitor do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe e de Jesus das Santas Chagas, em Curitiba. Lá, celebro missas e faço casamentos, confissões e batismos. 


EGOÍSMO Fazendo uma analogia com o título de um dos seus livros: o que é que mais tira a paz interior? 


Existem vários fatores que levam a isso, mas o principal deles é o egoísmo. As pessoas estão egoístas demais. A palavra individualidade acabou virando individualismo. Nosso Senhor não nos ensinou a rezar o Pai Meu e, sim, o Pai Nosso. Estou falando de uma fé que passa pelo outro, entende? O egoísmo e o individualismo fazem com que a pessoa se isole, se feche em si mesma e não enxergue os apelos e as necessidades alheias. 


Infelizmente, também há atitudes que deixam a desejar dentro das comunidades da própria Igreja. 


Enquanto houver o ser humano, os problemas continuarão a existir. Tanto é que, no início de tudo, o Adão e a Eva já se desentenderam. A gente precisa aprender a lidar com o diferente e com os conflitos. Procuro bater muito nesta tecla: uma situação de conflito não deve ser uma situação de abandono. Vamos lembrar que entre os 12 apóstolos houve adversidades, ciúmes e traição. Dentro da Igreja também vão existir problemas, mas haverá muito mais motivos para se buscar a superação dos conflitos e o perdão. Aí está a verdadeira dimensão do ser cristão. Nosso Senhor nos ensinou a amar o inimigo, a rezar por quem nos calunia; a questão é que, às vezes, nós esquecemos disso. 


Vai lançar algum livro neste ano? 


Vou. Ele sai em março, com o título As Muralhas Vão Cair – Como Fazer o Cerco de Jericó em sua Vida. Cito de novo o papa Francisco, que diz que devemos usar as pedras que encontramos pelo caminho para construir pontes, em vez de muros. Precisamos derrubar as muralhas que construímos ou que, às vezes, permitimos que o outro construa. Eliminar aquilo que é obstáculo para avançarmos nos aspectos familiar, social... Evitar o que nos divide e ficar com o que nos une. 


Você é embaixador da Pastoral da Pessoa Idosa. Como vê a realidade dessa parcela da população? 


Estou muito preocupado com a situação dos idosos. Procuro usar todos os meios de comunicação para conscientizar as pessoas sobre essa realidade. Enquanto um monte de gente fica presa à busca da eterna juventude, o nosso povo envelhece cada vez mais. Tento sensibilizar as gerações mais novas, mostrando a importância de escutar os idosos, mesmo que eles repitam a mesma história mil vezes. Também desejo despertar, em nível governamental, uma responsabilidade com a pessoa idosa. E estimular as famílias a apoiarem e estarem presentes na vida do idoso. 


INTERNACIONAL O que destacaria na sua carreira internacional? 


Todo ano vou aos Estados Unidos, pois vi muitos brasileiros se sentindo sozinhos e cercados de limitações. Eles me pediram para começar um trabalho por lá, o que encaro como uma missão. Outra experiência marcante foi celebrar uma missa em Angola, na África. 


Você também faz peregrinações para fora do País. 


É verdade. Uma tradicional é para a Terra Santa, que, neste ano, será a partir de 26 de maio. Acho que todo católico deveria ter a oportunidade de fazer essa viagem, pois ela abre a mente. As outras peregrinações variam conforme o apelo. Neste ano, ainda haverá uma viagem aos santuários marianos, em setembro.


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