Ambientalista alerta para a responsabilidade de todos na limpeza dos oceanos

Vitor Pinheiro é coordenador da campanha Mares Limpos das Nações Unidas para o Meio Ambiente

Por: Redação  -  15/08/21  -  10:57
 O Brasil, sozinho, despeja 325 mil toneladas de lixo plástico por ano no Atlântico
O Brasil, sozinho, despeja 325 mil toneladas de lixo plástico por ano no Atlântico   Foto: Divulgação

Um caminhão cheio de bitucas de cigarro, sacolinhas, embalagens e toda sorte de resíduos é despejada diariamente no mar, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que em 2017, diante da gravidade do problema, criou a campanha mundial Mares Limpos. E o plástico, onipresente em nossas vidas, é o que mais se espalha pelo mundo. Para se ter uma ideia, o Brasil, sozinho, despeja 325 mil toneladas de lixo plástico por ano no Atlântico. No país, 500 bilhões de artigos descartáveis de plástico são produzidos anualmente, o que equivale a 15 mil itens por segundo. Nas nossas praias, mais de 70% dos resíduos são plásticos. Nesta entrevista, o ambientalista Vitor Pinheiro, 40 anos, coordenador da campanha Mares Limpos, do PNUMA, no Brasil, revela os avanços da campanha e fala sobre o enorme desafio em reverter esse quadro, que apesar de cada vez mais chamar a atenção da comunidade, ainda está longe de uma solução definitiva.


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Já estamos comendo plásticos?


Ele já entrou na cadeia alimentar, mas ainda sabemos pouco sobre esse impacto na saúde humana ou quanto estamos ingerindo. Mas já foram encontrados microplásticos no pulmão humano e na placenta de mulheres grávidas.


Já são quase quatro anos desde o lançamento da campanha Mares Limpos. O que temos a comemorar?


Temos avanços. Há poucos dias, por exemplo, conseguimos o primeiro compromisso público de uma rede de entregas de refeições, no sentido de reduzir itens plásticos no delivery. Por outro lado, ainda estamos longe de reverter esse grande desafio. O que vem sendo discutido, nesse sentido, é um acordo global entre países.


O que um acordo desses pode proporcionar?


Ainda não temos um formato desse acordo, que vem sendo promovido por quatro países, Alemanha, Vietnã, Gana e Equador. Mas um esforço global é muito importante. Poluição não respeita fronteiras.


Proibir o plástico resolve?


A proibição é uma das possibilidades, mas precisa vir acompanhada de outras ações para que a gente não transfira os impactos. Precisamos é acabar com a cultura do descartável. Por outro lado, aqueles plásticos que não podem ser reciclados precisam ser eliminados.


A campanha é focada em países. Existe a intenção de dirigir a campanha para as cidades?


Estamos procurando nos aproximar das cidades para apoiá-las e também para conhecer melhor sua realidade. Mas precisamos de acordos e políticas públicas nacionais e globais.


Como ajudar as cidades a se engajarem em campanhas contra o lixo no mar?


Uma maneira é gerar informações, dados. Demonstrar, por exemplo, como os setores são afetados pela poluição marinha, como é o caso do Turismo. Cidades turísticas, como Santos, têm muito a ganhar com um mar limpo ou, por outro lado, perder receita. Esse tipo de informação precisa chegar nas cidades.


Como responsabilizar a cadeia produtiva em relação ao descarte incorreto de resíduos?


Uma proposta é a noção do poluidor-pagador. Se você gera aquela poluição, deve ser responsabilizado por ela. A Europa, por exemplo, utiliza o conceito da responsabilidade estendida, ou seja, a empresa é responsável por todo o ciclo de vida do produto. Então ela deve garantir a logística reversa e o tratamento adequado inclusive das embalagens.


Que iniciativas podem ser citadas como bons exemplos no combate ao problema do lixo no mar?


Posso citar a cidade de Freiburg, na Alemanha, que criou um modelo de caução para copos reutilizáveis de café, em que você pode devolvê-los em qualquer ponto de venda que faz parte da iniciativa.


E no Brasil, quais são essas iniciativas?


Santos, por exemplo, proibiu o plástico de uso único nas compras públicas. Uma ideia interessante que estamos estudando. Temos, também, que promover o reuso, repensar as embalagens. A meta do Compromisso Global pela Nova Economia do plástico, iniciativa que promovemos com a Fundação Ellen MacArthur, é que todas elas sejam recicláveis, compostáveis ou reutilizáveis até 2025.


De acordo com pesquisa do Ibope, 75% dos brasileiros não separam os recicláveis em suas residências. É falta de informação?


Comunicar, sem dúvida, é importante. Porém, mesmo que haja pleno engajamento, nem todo plástico é reciclável. Precisamos garantir que, efetivamente, todo plástico colocado no mercado possa ser reciclado. Além disso, a reciclagem nunca dará conta do problema: precisamos sair da lógica do descartável para a do reuso.


Como a pandemia da covid19 afetou o problema?


Afetou o trabalho de campo, que teve que ser repensado. Percebemos, também, um grande aumento no consumo, seja no setor de delivery ou na produção de itens como máscaras e luvas. Muitos, em razão da pandemia, passaram o ver o plástico como uma opção segura, sanitizante. Mas isso na verdade não existe, pois o plástico não possui essa característica. Muitos produtos chegam ao mercado com embalagens que dificultam ou até impedem o processo de reciclagem.


Não seria o caso de exigir que eles só cheguem ao mercado com características amigáveis ao meio ambiente?


Sim, precisamos repensar o design dos produtos, garantir que eles sejam recicláveis, compostáveis ou reutilizáveis. Hoje, buscamos isso por meio de metas voluntárias.


Que novidades você pode nos contar sobre as futuras ações do PNUD em relação ao lixo no mar?


Um dos objetivos é aumentar as nossas ações junto ao setor turístico. Outra é trabalhar com o segmento de entregas, por meio da campanha #DeLivreDePlástico. Uma pesquisa recente com usuários de aplicativos de entrega mostrou que 7 em cada 10 entrevistados não queriam receber plásticos e que 15% desistiu dos pedidos por se sentirem incomodados com tantas embalagens plásticas.


O PNUMA também se associou à expedição Voz dos Oceanos, da Família Schurmann...


Sim, apoiamos a inciativa, que percorrerá várias cidades brasileiras antes de seguir para outros países. Eles são grandes parceiros no combate à poluição plástica.


Você já foi chamado de ecochato?


É engraçado isso. Já fui sim. Mas estamos defendendo a capacidade da própria humanidade de continuar existindo. Parece até que a gente não faz parte da Natureza, como se a gente não fosse parte do problema e também da solução. O que precisamos, como sociedade, é reagir mais rápido para a questão do lixo no mar. É reconhecer a nossa parcela de responsabilidade.


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