Agilidade, preparo físico, boa percepção e a consciência que é possível ter uma vida autônoma. Mais do que um esporte, o goalball é um incentivo para que famílias e atletas acreditem que o deficiente visual pode e deve ter uma vida independente. É o que provam as histórias que nasceram na quadra do Lar das Moças Cegas (LMC), em Santos, entre defesas e lançamentos.
O goalball não surgiu como esporte, apesar de hoje ser uma modalidade paralímpica. Foi inventado em 1946 com a finalidade de servir como terapia para a reabilitação de soldados que haviam perdido a visão durante a Segunda Guerra Mundial.
No Lar, ele é desenvolvido desde 1999, transformando-se no carro-chefe das atividades esportivas da instituição. Atualmente, acontece em parceria com o Santos Futebol Clube. O time ajuda com os uniformes e treina na quadra do LMC – única oficial da região.
O jogo baseia-se na percepção auditiva dos jogadores para a identificar a trajetória da bola. Todos devem atuar vendados para que os diferentes níveis de deficiência visual não garantam vantagens. O objetivo é que cada equipe faça com que a bola siga rasteira e ultrapasse o gol adversário. Ganha a partida o time que, ao final do tempo, obtiver o maior número de gols.
“O goalball traz os benefícios de uma atividade física e, além disso, é ótimo para eles porque ajuda na socialização e, em especial, na autoestima”, revela um dos técnicos dos times do LMC, José Mauro Neri.
Na prática
Neste quesito, Grasiele Goes Neres sabe que é exemplo. “Eu quase não falava. Era muito tímida. Mas o goalball me ajudou a interagir mais, conversar e ter autoconfiança”.
Ela deu os primeiros passos no esporte durante as aulas de iniciação na modalidade, nas quais os técnicos não visam os atletas de competição, e sim as pessoas com deficiência que precisam de momentos de lazer, prática de exercício físico e desenvolvimento da autonomia.
Hoje, no entanto, Grasi já participa de competições com a equipe e tem como o próximo desafio o Campeonato Brasileiro de Goalball, a ser disputado em São Paulo, entre os próximos dias 9 e 13.
Esporte muda destinos e forma casais
Quando Kaôla nasceu, a mãe Fátima Maria Pires da Silva teve dúvidas sobre como seria criar a menina. A única certeza era a de que a deficiência visual da filha não a prenderia em casa. “Na minha infância, as pessoas com deficiência ficavam trancadas em casa e eu não queria isso”.
Ir para o Lar das Moças Cegas foi importante para a menina, mas o goalball foi determinante. “Até então, eu fazia tudo em casa, mas não saia sozinha na rua”, conta Kaôla, hoje com 25 anos. No entanto, os treinos eram à noite, em um horário complicado para mãe buscá-la. Ali, a família decidiu que estava na hora de Kaôla andar sozinha.
“Eu já tinha tido aulas sobre mobilidade, mas a oportunidade realmente de andar sozinha só veio com o goalball. Hoje, eu trabalho, faço curso e cuido dos meus dois filhos. E sigo no goalball, que é minha paixão”.
Ferramenta
Para o técnico José Mauro Neri, essas histórias são a prova de que o goalball é uma ferramenta importante tanto para a saúde como para a inclusão e desenvolvimento social. “Os alunos se redescobrem”.
E o quanto isso significa? Tudo, resume Julio César de Souza Lima, pai de Marcio Vinícius Silva, de 17 anos, convocado pela Seleção Paulista para as Paralimpíadas Escolares. “O desenvolvimento dele com o goalball foi muito bom”.
Amor no ar
Nem só de superação, suor e competição são feitas as histórias do goalball no Lar das Moças Cegas. Tem muito amor envolvido. “Alguns casais se conheceram aqui e tem relacionamento que vira casamento. Vou até ser padrinho”, conta, entre risos, o técnico Mauro.
Foi sob as bênçãos do goalball, por exemplo, que Ísis Áurea da Silva, 38, e Luiz Simonal Nascimento, 44, se casaram.
"Ele fazia parte da equipe de goalball e eu praticava natação. Ele me fez mudar de esporte e aí engatamos de vez o relacionamento”, conta Ísis. Já para ele, ter uma companhia nas resenhas pós-partidas é algo importante.
Perfil
Projeto Goalball
O que é?
O projeto Goalball é o carro-chefe das atividades esportivas do LMC. Desde 1999, é trabalhado como ferramenta de inclusão, promovendo a socialização e fortalecendo conceitos de resultado em grupo e superação de adversidades
Onde é?
O Lar das Moças Cegas fica na Avenida Ana Costa, 198. O telefone é (13) 3226-2760
Intercâmbio com atletas de ponta é um diferencial
Tamanho específico e linhas em relevo. Assim como em outros esportes, a quadra do goalball tem suas especificações. No LMC, ela possui as medidas oficiais, mas quem treina ali vai além disso. A parceria com o Santos proporciona intercâmbio de atletas e a oportunidade de treinar com nomes de destaque do esporte.
Prova disso são Romário Marques, Alex Melo e Leomon Moreno da Silva – este último considerado o maior talento da modalidade do País. Os três, que retornaram de Lima, no Peru, com o ouro para o Brasil nos Jogos Parapan-Americanos, sempre estão no LMC.
“O goalball representa as realizações da minha vida. Elas vieram por meio do esporte”, garante Leomon.