Valo Grande, lição da natureza que precisamos aprender

Valo foi concebido para ser uma passagem para cortar o caminho das embarcações que desciam o Rio Ribeira para levar seus produtos para o Porto de Iguape

Por: Rosana Valle  -  09/02/20  -  10:26
  Foto: Reprodução/TV Tribuna

Muita gente não sabe, mas aconteceu em Iguape um dos casos de erros ambientais que mais evidenciam os danos que o ser humano pode provocar quando não respeita a natureza. É uma história que precisa ser contada, até para que as novas gerações não repitam tais erros, e também para que possamos tentar resolver um problema que castiga há anos o Vale do Ribeira.


Tudo começou no tempo do Império, quando Iguape era uma cidade rica, com um movimentado porto que escoava vários produtos, como um arroz de elevada qualidade e até ouro. Pressionado pelos ricos comerciantes de Iguape, que exploravam o antigo Porto, o imperador D. Pedro I autorizou, em 1827, a abertura do chamado Valo, planejado para ter 4 metros de largura por 2 km de comprimento.


O Valo foi concebido para ser uma passagem para cortar o caminho das embarcações que desciam o Rio Ribeira para levar seus produtos para o Porto de Iguape. A volta que davam pela antiga foz do rio teria uma redução de 20 km com o Valo. Ou seja, todos queriam cortar caminho.


O valo foi inaugurado em 1855 sem se considerar o poder e a velocidade da vazão das águas do Rio Ribeira. A força das águas foi tamanha que, em 50 anos, o Valo passou de 4 metros para 300 metros de largura. 


Assim, a pequena vala virou o chamado Valo Grande. A obra também criou uma espécie de foz artificial no Rio Ribeira de Iguape. Esta impensada intervenção no meio ambiente produziu uma catástrofe na economia de Iguape, pois assoreou o porto, inutilizando-o já no fim do século 19.


A foz original do rio foi tomada pela areia, já que o Ribeira perdeu, naquele trecho, 2/3 da sua vazão original com a abertura do Valo. 
A população de Iguape diminuiu. Os casarões da elite foram abandonados. 


A decadência só não foi maior pela presença da imagem do Bom Jesus de Iguape, abrigada na Igreja de Nossa Senhora das Neves, que dá origem a segunda maior festa religiosa do Estado de São Paulo.


Depois de tantas cobranças da população, em 1978, o Valo Grande foi fechado com uma barragem de pedras. O fechamento da barragem não produziu a esperada e imediata recondução do rio à sua calha original, já assoreada. Mas causou enchentes gigantescas que afetaram várias cidades do Vale do Ribeira rio acima e até no Bairro do Rocio, próximo à barragem.


Este impacto rio acima, com seguidas inundações a partir dos anos 80, penalizou centenas de agricultores que plantavam nas várzeas do Rio Ribeira. 


A população então cobrou um sistema de controle na barragem, que permitiria sua abertura temporária quando o nível do rio  subisse demais. A barragem teria que ter um vertedouro com controle de vazão e até uma eclusa.


Em 1993, o estado fez uma obra de recuperação da barragem, por onde hoje passa uma ponte ligando a cidade ao bairro do Rocio e à estrada que vai até Pariquera-Açú. Mas as obras não contemplaram os vertedouros e outros sistemas eletrônicos de controle de vazão.


Em 2010, o estado destinou R$ 8,6 milhões para recuperar a estrutura da barragem, novamente desgastada. Mas os vertedouros novamente não foram implantados.


Em 2017, o juiz de Iguape Felipe Marcondes Tavares mandou fechar definitivamente a barragem do Valo Grande por conta dos prejuízos ambientais causados à região lagunar do Mar Pequeno.


A água doce do rio, ao atingir os manguezais, altera as condições de salinidade e afeta a rica vida marinha daquele berçário, que é  responsável pela fertilidade das águas do mar até na plataforma continental. Este problema prejudica a pesca e o turismo, base da economia de Iguape e Cananéia. As duas cidades atraem 300 mil turistas/ano. Este número poderia ser bem maior não fosse o dano ambiental causado quando as águas barrentas do rio atingem os manguezais.


Em agosto de 2018, o então governador Márcio França autorizou investimento de R$ 66 milhões para instalar equipamentos eletromecânicos, incluindo 18 comportas para controlar a vazão do Rio Ribeira, de modo a não causar enchentes rio acima e também impedir o excesso de água doce e sedimentos que afetam a vida marinha no complexo lagunar Iguape-Cananéia. Alegando falta de recursos, o Governo do Estado não deu continuidade e não viabilizou o investimento. 


Hoje, do jeito que está, todos saem perdendo. Perdem os que dependem da pesca e do turismo e perdem os agricultores rio acima. Precisamos avaliar tecnicamente todas as possibilidades de solução deste problema histórico e cruel para a população de todo o Vale do Ribeira. O Brasil tem especialistas que podem apontar o melhor a ser feito. 


Por isso, quero promover um seminário, em Iguape, reunindo todos os especialistas e autoridades envolvidas para que possamos minimizar o enorme impacto causado por uma intervenção humana que teve início em 1827.


Agora que foi lançado, pelo Governo do Estado, o Programa Vale do Futuro, temos mais uma oportunidade para lutar para que o Vale do Ribeira tenha, de fato, um futuro e deixe de pagar por um erro cometido no tempo do Império.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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