Nada será como antes, nem como agora

Temos a tarefa de planejar o mundo pós-pandemia e aprovar leis que garantam as inovações

Por: Rosana Valle  -  26/04/20  -  11:05
Os efeitos colaterais da Covid-19
Os efeitos colaterais da Covid-19   Foto: Bruno Rocha/Estadão Conteúdo

A pandemia vai passar. Mas vai deixar, além da dor e sofrimento, um legado de inovações, que teremos que adotar, de um jeito ou de outro. Ou seja, nos preparando ou na marra. 


O primeiro legado, defendo, é aprendermos a planejar as coisas. A falta de leitos, de respiradores, de respostas rápidas da ciência e até de hábitos de higiene são, na verdade, erros em consequência de não planejarmos a vida, sobretudo nas grandes metrópoles.


Agora, fomos obrigados a nos adaptar às pressas, a correr atrás do prejuízo. Para tentar criar um futuro melhor quando tudo isso passar vou propor, na Câmara dos Deputados, o que chamo de Medidas Pós-Pandemia. 


Proponho a formação de um grupo de trabalho, com deputados e especialistas públicos e privados, para tomar, hoje, as providências que vão nos ajudar, amanhã, a evitar novas pandemias. 


Esta Força-Tarefa teria a missão de propor e aprovar leis para garantir e regulamentar práticas que vieram para ficar e que precisam de aprimoramento e apoio legal.


Temos que garantir medidas pós-pandemia, que exponho a seguir, por meio de alguns exemplos, dentre tantas que se fazem necessárias:


Home office – Com a constatação de que muita gente pode trabalhar em casa, reduzindo o trânsito nas cidades, a aglomeração no transporte público, a poluição e ainda  economizar, é uma tendência que o home office venha a ser adotado com muito mais frequência no pós-pandemia.  


Será necessário, portanto, que a prática seja devidamente regulamentada, com o estabelecimento de normas, sistemas de controle e de legislação específica, que garantam direitos e deveres para ambas as partes. 


Mesmo de forma escalonada, e de acordo com as necessidades e possibilidades de cada setor, o home office, sem dúvida, representa um caminho factível para a melhora da qualidade de vida, sobretudo, nas grandes e médias cidades brasileiras. 


Cabe ao legislador, apoiado em dados e especialistas, garantir sua viabilidade, sempre preservando a saúde e o bem-estar dos trabalhadores. 


Educação para a higiene – Práticas diárias de higiene deverão ser incorporadas aos ambientes públicos, de trabalho, no transporte público, nos shoppings, nos estádios e até mesmo nas praças, ruas e avenidas, no período pós-pandemia. 


Estabelecê-las, sob a orientação dos especialistas em saúde pública e de urbanismo, é a tarefa que deve ser realizada pelo legislador brasileiro. 


Para tanto, deve ser disciplinado e garantido o acesso a máscaras, álcool gel, luvas, pias com água corrente e sabão e demais insumos necessários às medidas profiláticas e preventivas a doenças, sejam virais ou não. Cabe, também, ao legislador, apoiado por técnicos, apresentar e aprovar normas legais para que condomínios residenciais e comerciais adotem práticas preventivas em suas rotinas de funcionamento. 


Incentivo à pesquisa – Não dá mais para relegarmos a pesquisa e a ciência ao esquecimento. Temos que garantir o aumento maciço de investimentos na formação de cientistas e na realização de suas pesquisas, principalmente nas destinadas à busca de medicamentos, vacinas e aperfeiçoamento nos serviços de saúde prestados à população. 


Ficou claro nesta pandemia que, se tivéssemos proporcionado mais apoio à ciência, estaríamos mais à frente na produção de remédios e vacinas. É um paradoxo, também, fabricarmos aviões, automóveis e outras máquinas sofisticadas, e não termos condições de produzir respiradores e até mesmo máscaras e luvas para atender nosso mercado interno. 


Estrutura da saúde – A saúde no Brasil começou, agora, uma corrida atrás do tempo perdido que não pode parar. Além de leitos e equipamentos, temos que garantir um sistema de formação de profissionais que atenda todas as regiões, ricas e pobres. Não dá mais para termos que importar médicos de outros países se temos gerações de jovens ávidos por ensino de qualidade e com enorme vocação para atuar na saúde.


Transporte público – O atual sistema de transporte público precisa, de vez, exterminar as condições popularmente apelidadas de sardinhas em lata, numa referência ao aperto a que se submetem diariamente milhões de trabalhadores. Temos que garantir maior oferta de veículos nos horários de pico, limite de passageiros por ônibus ou trens. O investimento maciço, público e privado, nesse setor essencial, deve ser obrigação legal, que precisa ter percentual da receita garantido por lei.     



Videoconferência – Reuniões presenciais têm sua importância  e características positivas. Mas todos aprendemos, nesta quarentena, que muitas delas podem ser realizadas pelo sistema de videoconferência, utilizando recursos simples e disponíveis para todos. 


As videoconferências, quando bem programadas, evitam deslocamentos desnecessários, perda de foco por conta dos transtornos característicos dos grandes centros urbanos e possibilitam resultados rápidos e maior produtividade, tanto na atividade pública como privada. 


Neste aspecto, cabe ao legislador garantir condições para que o poder público, em todas as suas esferas, tenha o equipamento disponível e promova o treinamento necessário para que tal prática possa ser adotada em larga escala.  Vale lembrar que o poder Judiciário já vem agregando a videoconferência, com sucesso, em vários tipos de audiência. Temos que nos preparar e dar condições para que todos possam se reunir e tomar decisões por videoconferência.


Ensino – Novas práticas  devem ser incorporadas, de forma transversal,  em todos os níveis de ensino (do infantil ao superior) para que a temática da saúde e prevenção faça parte da rotina dos atuais e futuros cidadãos brasileiros. Não podemos aceitar que jovens se formem sem saber lavar as mãos corretamente ou  escovar os dentes e usar fio dental, por exemplo. Cuidados básicos com a higiene devem ser ensinados, na prática.


Planejamento urbano – O crescimento exacerbado e sem controle das nossas metrópoles, onde a infraestrutura não acompanha o surgimento de bairros inteiros, precisa ser planejado. É fato que não há planejamento na formação das nossas cidades e regiões metropolitanas. Hoje, estas regiões   registram os maiores índices de contaminação porque formam o ambiente ideal para aglomerações. Apresentar legislações mais severas de controle de invasões e de expansão urbana, acompanhadas de forte fiscalização, é a nossa obrigação. 


Enfim, a tarefa é imensa e este grupo de trabalho precisa ter independência e apoio dos governos. O mundo mudou e as novas práticas precisam de amparo legal. Temos que garantir que nada será como antes, nem como agora.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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