O ocaso dos cartolas brasileiros

Libertado pela Justiça americana após passar mais de dois anos na cadeia, José Maria Marin é mais um dirigente que deixou a cena esportiva pela porta dos fundos

Por: Régis Querino  -  01/04/20  -  02:23
Marín, ex-presidente da CBF, cumprirá pena domiciliar após pandemia do Covid-19
Marín, ex-presidente da CBF, cumprirá pena domiciliar após pandemia do Covid-19   Foto: Arquivo/AP

Figuras influentes no cenário do esporte nacional e internacional, eles enriqueceram no comando de suas respectivas entidades. Tal qual tiranos, apoderaram-se do esporte para viver uma vida de luxo e glamour, frequentando as mais “altas rodas” da sociedade mundo afora.


Bajulados, poderosos, não tinham piedade de quem lhes cruzava o caminho. Quem ousasse questionar-lhes a idoneidade ou se aventuravam a fazer frente em chapas de oposição, eram facilmente defenestrados pelo sistema dominado por eles.


Na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), na Federação Internacional de Futebol (Fifa) ou no Comitê Olímpico do Brasil (COB), eles deram as cartas por décadas, julgando-se sempre acima de quaisquer suspeitas.


Ricardo Teixeira, João Havelange e Carlos Arthur Nuzman sempre tiveram muita coisa em comum. Teixeira e Havelange até laços familiares tiveram, já que o ex-cartola da CBF foi casado com a filha de Havelange.


A similaridade nos “deslizes” protagonizados à frente de cada entidade também os aproxima. Acusados de falcatruas, cada qual deixou a cena esportiva pela porta dos fundos.


Ricardo Teixeira, que fez e desfez no comando do futebol brasileiro por 13 anos (de 1989 a 2012) foi banido do futebol pela Fifa no ano passado. Acusado de corrupção, andava sumido do mapa até reaparecer em uma entrevista este mês para a CNN Brasil.


Abatido e mais magro, rebateu as acusações de que teria se locupletado com propinas em contratos de patrocinadores da Copa Libertadores, Copa América e Copa do Brasil. Difícil encontrar alguém que acredite em sua inocência.


João Havelange, o ex-genro de Teixeira, reinou como soberano da Fifa durante 24 anos (1974-1998). Reverenciado por onde passava no planeta, o dirigente com pose de lorde teve o privilégio que poucos têm, de chegar aos 100 anos.


Mas saiu de campo da pior forma possível. Mesmo após deixar o comando da Fifa, em 1998, seguiu ostentando o cargo de presidente de honra da entidade. E usufruindo de suas benesses, claro. Até 2013, quando, encurralado por denúncias de corrupção, pediu o boné.


Morreu em 2015, lembrado como o homem que fez o futebol se expandir pelos cinco continentes. Mas com a imagem arranhada, de quem não conseguiu sair do jogo sem sujar as mãos nos subterrâneos das negociatas.


Depois de um belo trabalho à frente da Confederação Brasileira de Vôlei, fazendo com que a modalidade se tornasse uma potência mundial, Carlos Arthur Nuzman chegou à presidência do COB em 1995. Só saiu de lá em 2017, quando renunciou ao cargo.


No mesmo ano, Nuzman, o cartola de voz altiva, chegou a ser preso pela Polícia Federal. Investigado em um suposto esquema de corrupção para compra de votos de dirigentes para a escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016. Às voltas com problemas de saúde, saiu de cena.


Da cana para o ostracismo


Personagem, digamos, mais modesto nessa “linhagem” de dirigentes esportivos brasileiros, José Maria Marin viu a presidência da CBF cair em seu colo em 2012, após a renúncia de Ricardo Teixeira.


Político de carreira e ex-presidente da Federação Paulista de Futebol, Marin era um dos vice-presidentes da CBF à época e como mais velho dos vices, herdou o cargo do manda-chuva. Que nunca deixou de apitar nos bastidores da entidade.


À frente da CBF, Marin mergulhou fundo  nos privilégios que o cargo lhe oferecia. E, claro, também quis o seu quinhão. Como, aliás,  a maioria dos dirigentes esportivos do Brasil e do mundo, já que a corrupção se espalha pelo planeta numa velocidade de causar inveja ao novo coronarívus.


Em 2015, Marin foi preso na Suíça, em um hotel cinco estrelas, junto com outros dirigentes do futebol mundial, em uma investigação sobre corrupção na Fifa. Extraditado aos Estados Unidos, Marin chegou a ficar em prisão domiciliar, em seu apartamento em Nova York.


Até a Justiça americana o mandá-lo para a prisão, no final de 2017, onde cumpriria pena de cinco anos por recebimento de propina em contratos de marketing e televisionamento de jogos. Na última segunda-feira (30), uma juíza concedeu liberdade a Marin, que, aos 87 anos e com a saúde debilitada e risco maior de contrair a Covid-19, pode deixar o cárcere.


Segundo o Estadão, o cartola quer voltar ao Brasil assim que deixar a cana, para viver, agora, mais modestamente. Ao invés do apartamento de 609 metros quadrados nos Jardins, em São Paulo, que ele teve que vender para pagar advogados,  Marin vai morar com a esposa em um imóvel “popular”: um ap de 140 metros em Cerqueira César, também na Capital.


De acordo com o jornal, Marin se desfez de diversos imóveis, avaliados em R$ 37 milhões, para arcar com as despesas em multas impostas pela Justiça e honorários advocatícios. Tudopara  viver os seus últimos tempos, livres, no Brasil.


Tais quais atletas da elite, que viveram dias de glória e sucesso, mas foram pegos anos depois no antidoping, os cartolas brasileiros terminam os  seus  dias no ostracismo. Devem ouvir, mentalmente, vez em quando, o famoso grito da torcida para o  juiz. Valeu a pena, senhores?


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