Voo sem escalas

Como a maior parte dos cargos tem duração de quatro anos, não seria mais racional escolhermos todas as funções de uma só vez?

Por: Kenny Mendes  -  17/07/20  -  12:07
TSE anunciou a ampliação da votação nas eleições municipais deste ano
TSE anunciou a ampliação da votação nas eleições municipais deste ano   Foto: Divulgação

A cada dois anos, o Brasil é obrigado a parar: seja para as eleições gerais (presidente, governador, senador e deputados federal e estadual), seja para as eleições municipais (prefeito e vereador). Como a maior parte dos cargos tem duração de quatro anos (exceto senador, que são oito), não seria mais racional escolhermos todas as funções de uma só vez?


Um dos pilares fundamentais da democracia é o voto popular. Há quem defenda que o exercício constante de votar estimule o olhar político do eleitor. Não tenho dúvidas. Mas mesmo o observador menos zeloso percebe que, nos anos de pleito, a máquina pública é invariavelmente afetada – em razão das restrições eleitorais, das ações que passam a ser vedadas ao agente público ou mesmo porque o ocupante do cargo está dividido entre suas atribuições e os interesses partidários (a própria reeleição ou eleição de um aliado).


Também há quem diga que a unificação do calendário diminuiria em importância a escolha dos cargos municipais. Não posso concordar. Fui eleito duas vezes vereador em Santos antes de chegar à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e posso afirmar, com conhecimento de causa, que o eleitor tem um interesse especial na definição de seus representantes locais. E com razão: é no município que ele vive – a percepção de que pode cobrar diretamente da prefeitura e da câmara municipal é mais clara. 


Muita gente não se dá conta, mas os custos com o processo eleitoral são imensos. Para se ter uma ideia, as eleições gerais de 2018 consumiram R$ 5 bilhões dos cofres públicos. Já os gastos com as eleições municipais de 2016 ficaram na casa de R$ 600 milhões ao erário – valor que poderia ser utilizado em outras prioridades caso o pleito fosse integrado.


A divisão no calendário eleitoral provoca um fator sempre alvo de polêmica: o ocupante de cargo eletivo que interrompe o mandato para se dedicar a outra cadeira. Levantamento do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) mostra que cerca de um quarto dos atuais deputados federais (123 de 513) pretende entrar na campanha deste ano.


É legítimo a pessoa que está na vida pública almejar novos patamares. O problema é que o sistema eleitoral em vigor faz com que certos mandatos tenham que ser abreviados em dois anos caso o postulante seja eleito para um cargo diferente. É mais ou menos como mudar de um carro em movimento para outro, que ainda começará a andar.


Existe ainda um outro aspecto adverso da atual engrenagem: os políticos que se perpetuam na cadeira. São vários os casos de deputados ou vereadores que, receosos de tentar voos maiores, optam pela estratégia de prolongar ao máximo sua permanência na função. Às vezes, por décadas. Isso prejudica a sempre bem-vinda renovação de quadros na política.


Além de garantir todos os direitos ao voto, a unificação eleitoral traria como ‘efeitos colaterais’ para os políticos uma dedicação em tempo integral ao mandato, a interrupção dos acordos e conveniências políticas a cada dois anos e, por consequência, uma economia inegável para o país.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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