Adiamento das eleições e a ameaça à democracia

Qualquer gesto ou ação que vá na contramão deve acender um alerta de que as instituições democráticas do Brasil estão sendo seriamente ameaçadas

Por: Júnior Bozzella  -  18/05/20  -  11:13

Uma pesquisa realizada pelo instituto de pesquisas DataPoder360 indica que 60% dos brasileiros são favoráveis ao adiamento das eleições municipais de outubro para novembro ou dezembro por causa da pandemia do novo coronavírus. Do grupo, 24% querem que a data seja mantida e há ainda outros 12% que se manifestaram a favor da extensão dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores, cancelando assim o pleito de 2020, e é nesta última hipótese que mora a ameaça. 


Os números mostram que o grupo que é mais contrário a mudar a data do pleito de outubro é o dos mais ricos, sendo que 42% querem a disputa eleitoral na data em que já está marcada. Em relação às regiões do país, quem mais deseja o adiamento são os entrevistados da região Centro-Oeste com 64%. Já aqui no Sudeste aqueles que apoiam o adiamento estão em menor número, 57%. Esses dados dizem muito sobre a conscientização política dos grupos. 


O 1º e 2º turno das eleições municipais estão marcados respectivamente para 4 e 25 de outubro. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, eleito presidente do TSE, já se manifestou sobre a possibilidade real do adiamento e afirmou que a decisão deve ser tomada no próximo mês de junho. 


Qualquer que seja a mudança na data do pleito implica uma alteração na Carta Magna do Brasil, a nossa Constituição. Em uma situação hipotética, seria uma mudança inédita que abre um precedente perigoso. Em uma primeira hipótese, as eleições seriam adiadas e os mandatos dos prefeitos prorrogados. Neste caso não teríamos garantia alguma de por quanto tempo isso aconteceria e nem de que logo após a aprovação da prorrogação esses mesmo prefeitos não poderiam ser imediatamente substituídos por interventores, pois uma vez alterada a Constituição, o país perderia a segurança legal que temos da obrigatoriedade de realização de eleições para escolha dos governantes pelo voto popular a cada dois anos no primeiro domingo de outubro.


Em um segundo cenário, caso os mandatários não sejam eleitos até o dia primeiro de janeiro de 2021, a linha sucessória prevê que o juiz responsável pela comarca da cidade assuma a administração local provisoriamente em caso de ausências de prefeito, do vice e do presidente de Câmara Municipal. Novamente, neste caso, teríamos os 5.570 municípios brasileiros vivendo a insegurança de um governo provisório, não eleito pelo voto popular, e à mercê das decisões do Governo Federal. Alguém aí acha seguro e saudável para o país deixar o processo democrático do Brasil sob as variáveis do humor do representante máximo da república? Eu estou convicto que não. 


A história nos mostra que as vezes que uma eleição prevista não ocorreu no Brasil a democracia pagou um preço alto. A eleição presidencial brasileira de 1938, por exemplo, seria a décima quarta eleição presidencial e a décima segunda direta se tivesse ocorrido. Estava prevista para o dia 3 de janeiro e não foi realizada devido ao golpe de Getúlio Vargas, que instaurou o Estado Novo. Em novembro de 1937, para quem não se recorda das aulas de história, Getúlio Vargas com o apoio da ala militar deu um golpe de Estado que instaurou a ditadura do Estado Novo. As eleições diretas só retornariam em dezembro de 1945. Anos mais tarde novamente a tragédia se repetiu. Em julho de 1964, a escolha do presidente marcada para outubro de 1965 foi adiada para 1966. A medida constituiu um dos primeiros passos do golpe que tirou o Jango do poder (vice-presidente que assumiu após a renúncia do Jânio Quadros) instaurando uma nova ditadura. O que vem depois disso boa parte de nós conhece ou viveu, foram 21 anos conhecidos como “anos de chumbo”, uma democracia dilacerada e suspensão das eleições diretas que só seriam retomadas em 1989. 


Analisemos os fatos, a última vez que prorrogamos uma eleição foi em setembro de 1980, há 40 anos, em uma imposição da ditadura militar. A prorrogação de mandatos abre um precedente para que um presidente crie uma narrativa de crise ou conflito para tentar justificar, por exemplo, a prorrogação do seu próprio mandato. 


Depois de alterada a Constituição Brasileira, que garantia teríamos de que o que foi proposto não será novamente mudado conforme determinação dos governantes para atender aos interesses de quem quer que seja.  


Uma mudança no processo eleitoral brasileiro seria inédita desde a redemocratização do país. Temos ciência de que a pandemia do novo coronavírus também é algo inédito, mas como parlamentares eleitos pelo povo temos entre as prerrogativas defender os interesses do Brasil e do brasileiro, não podemos permitir que a pandemia seja utilizada como justificativa para um golpe contra a nossa Constituição. 


Um caminho, caso seja extremamente necessário, seria adiar as eleições para novembro ou dezembro, garantindo que o pleito ocorra ainda em 2020, durante o período vigente de mandato dos atuais vereadores e prefeitos. Dessa forma os prefeitos e vereadores eleitos seguiriam assumindo os seus respectivos mandatos em 1 de janeiro de 2021, sem maiores prejuízos ao processo democrático. 


Enquanto parlamentar e dirigente partidário entendo que nesse cenário, pelo bem do Brasil e da democracia, será necessário aos partidos um esforço para inovar e aprimorar os meios de comunicação para que, se for o caso, realizemos a convenção partidária on-line. Não podemos nos omitir de tomar as providências que forem necessárias para garantir que o processo democrático não seja abalado. Qualquer gesto ou ação que vá na contramão disso deve acender um alerta de que as instituições democráticas do Brasil estão sendo seriamente ameaçadas.


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