A misoginia e a incompatibilidade com a democracia

Nesta última semana, mais uma declaração do presidente da República chamou a atenção do país pela maneira como se referiu à repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo

Por: Júnior Bozzella  -  24/02/20  -  10:21
Presidente critica medidas de governos estaduais no combate contra o coronavírus
Presidente critica medidas de governos estaduais no combate contra o coronavírus   Foto: Marcos Corrêa/PR

Nesta última semana, mais uma declaração do presidente da República, Jair Bolsonaro, chamou a atenção do país pela maneira como se referiu à repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo.


Sem medir o vocabulário ou a gravidade do que dizia, o presidente acusou a jornalista de se insinuar sexualmente para obter informações durante a apuração da matéria que investigou a suposta realização de disparos em massa por meio das redes sociais durante a campanha presidencial.


A declaração feita na saída do Palácio da Alvorada ofende e depõe contra a moral da jornalista. Citando Hans River, ex-funcionário da empresa de marketing digital Yacows, que supostamente teria participado do citado esquema, o presidente acusou Patrícia de oferecer vantagens sexuais em troca de informações privilegiadas, dizendo que “ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço...”.


No meu entendimento, tais declarações são inadmissíveis, independentemente de quem as tivesse dito. O fato de terem sido proferidas pelo presidente da República e repercutidas em rede nacional só amplifica ainda mais a gravidade da ofensa.


Infelizmente, esse tipo de situação é mais comum do que se imagina. As mulheres ainda são constantemente atacadas pelo simples fato de serem mulheres, e expostas sexualmente pelo mesmo motivo. Quando uma mulher ocupa um posto de comando o comentário é muitas vezes: “com quem ela dormiu? Ou, que tipo de “favor” fez para ocupar tal posto?


Sou um homem de família. Tenho mãe, irmãs, esposa, sobrinha, e acharia um total absurdo que qualquer uma delas fosse tratada depreciativamente porque são mulheres, do mesmo jeito que acho inadmissível que qualquer mulher seja desmerecida e não seja reconhecida pela sua competência, e que mais grave ainda, seja ofendida pela simples condição de ser mulher.


Desde o início do meu mandato, essas são duas bandeiras que tenho defendido na Câmara, o combate à violência contra as mulheres e a defesa da integridade dos jornalistas. Nesta situação que envolve a Presidência da República, ambas foram duramente atacadas.


Com 70 dias de mandato, tive aprovado o Projeto de Lei que altera a Lei Maria da Penha e obriga o agressor a pagar uma indenização à mulher vítima de violência. Além deste, apresentei mais cinco projetos com o objetivo de combater a violência contra mulher.


Os ataques contra jornalistas no Brasil, resguardadas as devidas proporções, têm números que nos envergonham tanto quanto a violência contra as mulheres. Para traçar um panorama da gravidade da coisa, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), divulgou recentemente o aumento de 54% no número de ataques contra veículos de comunicação e jornalistas no Brasil, em 2019.


Segundo informações da entidade, foram registradas 208 ocorrências no ano passado, em 2018, foram 135.


As ocorrências foram dividas em dez categorias, no relatório, sendo: assassinatos; agressões verbais; ameaças e intimidações; agressões físicas; censuras; cerceamento à liberdade de imprensa por meios judiciais; impedimentos ao exercício profissional; injúria racial; violência contra organização sindical; e descredibilização da imprensa.


No ano passado, eu apresentei na Câmara o Projeto de Lei 1052/2019, que altera a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para classificar como hediondo o crime cometido contra a vida, a segurança e a integridade física de comunicadores. É lamentável que ainda tenhamos que conviver com qualquer tipo de censura no Brasil.


Também não podemos aceitar que os profissionais de imprensa sejam desrespeitados, perseguidos, agredidos e até mesmo mortos por exercerem essa profissão de suma importância para a defesa da democracia no país.


Por isso, apresentei essa proposta, para defender a vida dos radialistas, jornalistas e profissionais de imprensa, e é isso que todos os políticos do País deveriam fazer, ao invés de incentivarem, e até mesmo cometerem crimes contra os jornalistas.


O nosso país ocupa a décima colocação no ranking mundial de impunidade de crimes contra jornalistas. A edição 2018 da pesquisa foi divulgada pelo Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ). O relatório nomeia 14 países no total, e o critério para definir o ranking de países com maiores índices, é o número de crimes não resolvidos contra jornalistas, considerando o número populacional de cada país.


Na América Latina, o Brasil ocupa a terceira posição no continente e faz parte do ranking há nove anos, até então com 17 casos não solucionados. O relatório apontou, ainda, que a maior parte das vítimas são jornalistas locais, profissionais que cobrem países de alta instabilidade política, localizados em zonas de conflito e violência armada, seguidos por aqueles que cobrem corrupção, criminalidade, política e direitos humanos.


Recentemente, o jornal Folha de S. Paulo divulgou dados do relatório da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), e revelou que, em 2018, o número de jornalistas assassinados e vitimas de violência aumentou.


Só em 2018, três radialistas foram mortos depois de divulgarem críticas e denúncias contra autoridades públicas e políticos locais, e casos de violência não letal, como ameaças, agressões e ofensas, também ampliou em 50% em relação aos registrados em 2017.


No mesmo ano, os jornalistas Robson Giorno e Romário da Silva Barros, que trabalhavam em Maricá (RJ), também foram mortos.


O nosso objetivo, tornando esse crime hediondo, é punir com mais rigor aqueles que atentarem contra a vida dos nossos jornalistas, reduzir e evitar que esse tipo de crime continue ocorrendo no Brasil.


O crime hediondo é um dos atos passíveis de punição que possui tratamento mais severo pela Justiça, assim como crimes de tortura, tráfico de entorpecentes e drogas afins e terrorismo.


Como brasileiro, me senti traído e enganado! O ataque à jornalista Patrícia Campos Mello atenta contra tudo aquilo que defendo, vai contra a democracia, contra a verdade e contra a liberdade. As ofensas, além de desrespeitosas, deixam à mostra um comportamento misógino, incompatíveis com qualquer nação democrática!


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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