Um dia comum não existe

Hoje, estava me lembrando de um dia como livreiro no século passado e um dia comum hoje, cheguei à conclusão de que não há nada de comum nos dias

Por: José Luiz Tahan  -  19/07/19  -  22:14

Estava aqui pensando e teclando sobre um dia de trabalho, como era no começo da minha carreira como livreiro e como é hoje, nessa sexta-feira vespertina de meu Deus.


Era assim... Vou relembrar num fluxo livre de memória e misturar no aqui e agora, ops, sem alusão ao Gil Gomes, por favor.


Abria a livraria, levantava a porta de ferro com ferrolho, pegava os jornais do dia, pilhas grandes nos idos dos nos 90, século XX, passava a mão numa flanela, contava o troco em dinheiro, vendia um Calvino, vendia um Benitez, Cavalo de Troia, vendia um Sabino sobre a Zélia Cardoso, pegava de novo a flanela e limpava mais livros, vendia uma Tribuna, vendia um Jornal da Tarde, conversava sobre o dia e sobre a rodada do campeonato da hora, flanelava mais livros, vendia um Hemigway, flanelava mais livros, proseava com amigos no cair da tarde.


Abro a livraria, apenas abrimos as portas de vidro, sem portas de ferro, a violência aumentou, mas não contra as livrarias, que são ignoradas pelos meliantes, ainda bem, toc toc toc... Pego os jornais, pilhas magras em tempos de redes sociais, percorro as vitrines, costumo olhar para cada livro que chegou, dar uma percebida com calma, não ficar autômato, faço um post pro Instagram e compartilho no Facebook sobre a livraria, ela é fotogênica, a livraria.


Recebo e envio trocentos zaps, muitos eu quero ler, outros não são urgentes, retorno a examinar meus livros, recebo outro zap, retorno a examinar os livros, não aguento e olho se o post está sendo notado, volto a examinar os livros, alguns são de autores que publico, são importantes, sempre, volto a examinar os livros, opa, não li os jornais, leio, outros zaps, outros posts, examino os livros, papo com clientes, assunto, redes sociais, vendo um livro de um youtuber, vendo um Hemingway, indico um Calvino, vejo os posts, estão indo bem, a livraria é fotogênica, volto a examinar os livros, opa, já ia me esquecendo, preciso escrever este texto, mas antes recebo outro zap, volto a examinar os livros, café com clientes, daqui a pouco teremos música na livraria, volto a examinar os livros, vendo um Pequeno Príncipe, vixe, e o texto pra Tribuna digital, ufa, está aqui.


Obrigado pela preferência, voltem sempre!


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