Despedida de uma etapa

Uma notícia de agora me remete ao começo da minha carreira. E a minha amizade com um dos meus antigos sócios, o César. A notícia é triste, a história, nem tanto

Por: José Luiz Tahan  -  17/05/19  -  20:40

Cronistas (eu ainda penso que sou um livreiro, mas vá lá) escrevem sobre o que há pouco aconteceu em suas vidas, seus arrabaldes, a vida por perto, por vezes miúda e não menor por isso.


Numa semana em que o Brasil voltou às ruas pela educação, com estudantes e cidadãos defendendo as instituições de ensino públicas e respondendo ao presidente e ao seu ministro da Educação com quantos paus se faz um lápis, eu só passo por cima do assunto pra falar do César.


Sim, o César, um dia, há quase 30 anos, entrou na Livraria Iporanga, onde comecei como aprendiz de livreiro, e sem me olhar pediu uma vassoura. O Luigi, que era o meu empregador, me olhou e deu aquele toque positivo, e lá fui eu buscar a vassoura e a pá.


Daí, o César me cumprimentou, se apresentou, varreu o interior do caixa, me devolveu a vassoura me agradecendo, se sentou e abriu o jornal A Gazeta Mercantil, tudo isso com um cigarro aceso.


O César era oficialmente funcionário do Banco Santos, e nas horas vagas, todas as horas vagas, trabalhava na Iporanga, atendia clientes, proseava com todos e, claro, elegia alguns como amigos. Ele fazia como amigo do Luigi, era um voluntário.


O César não falhava no ofício, até que um dia veio o convite. O pai do Luigi nos convidou, a mim e ao César, para sermos sócios. Seríamos um trio, o Luigi o livreiro; eu o aprendiz, jovem e faminto por um lugar ao sol; e o César, o financeiro, estável, equilibrado.


E foi assim que seguimos, nos divertindo e trabalhando por alguns anos como os três sócios da Livraria Iporanga.


Toda essa época me assalta por conta de uma notícia que me chegou aos ouvidos. Fiquei sabendo que o Capítulo Primeiro, o sebo em que o César trabalha e dirige, vai fechar. Depois do fim da Iporanga, com o advento do shopping que ali está, cada um tomou um caminho.


O Luigi trabalhou por algum tempo no ramo livreiro, para depois migrar para a gastronomia. O César, da mesma forma que ajudava na Iporanga, começou a ajudar e trabalhar com a Rosana, dona deste tradicional sebo no bairro Gonzaga. O método do César se repetiu, e a generosidade também, e ele continuou firme por lá, mesmo quando a dona foi diagnosticada com câncer. Ela lutava pela vida, e o César lutava por ela, no sebo.


A Rosana está bem, mas longe do trabalho. O mercado está na baixa, a crise não dá trégua e o César cansou.


Essa notícia também me faz pensar na teimosia, no caso, a minha. Dos três, apenas eu sigo neste caminho, de diversão e trabalho, com doses desequilibradas aprendidas com o César e com o Luigi.


Este texto é, na verdade, um abraço pro César. Desejo que ele continue sendo o mesmo, com as mesmas manias, mas pega leve no cigarro que você não é nenhum garoto.


Toda a sorte pra você, Césinha!


Um abraço.


Obrigado pela preferência, voltem sempre.


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