Uma questão que antecede o aborto

A cada hora, quatro meninas são estupradas no Brasil. Essa é uma discussão que não deve sair da pauta das autoridades

Por: Da Redação  -  23/08/20  -  11:57
Atualizado em 23/08/20 - 12:43

Completa neste domingo (23) uma semana do fim de uma polêmica que tomou conta das redes sociais e da mídia no País: o aborto autorizado pela Justiça em uma menina de 10 anos que engravidou do tio, que a estuprava desde os seis anos. O caso aconteceu no Espírito Santo, e o aborto, em um hospital de Recife. Embora com autorização judicial, a equipe médica que fez o procedimento foi hostilizada na porta do hospital, sob os gritos de “assassinos” e “aborteiros”. 


Para além das questões religiosas que revestem o caso, o ponto final dessa história está longe de acontecer, e é prudente que assim o seja. Em geral, episódios rumorosos assim tendem a cair no esquecimento depois de algumas semanas, atropelados que são por outros de igual ou maior repercussão. 


Imaginar que casos assim aconteçam apenas nos rincões do Brasil, onde as famílias mais humildes estão expostas a toda sorte de barbárie, é um erro. Levantamento feito por A Tribuna em bancos de dados do Ministério da Saúde e publicado ontem mostra que, em 2018, 98 crianças até 14 anos foram estupradas na região. Mas o número certamente é maior, já que a subnotificação é alta, segundo especialistas. 


E por que ocorrem subnotificações? Vários são os fatores: medo da criança em denunciar o estuprador - em geral, pessoas da família ou de seu relacionamento próximo; medo da mãe em acusar o padrasto ou tio da criança; crença de que a criança pode estar fantasiando a história. Mas há, também um fato preocupante que induz as subnotificações: falta de conhecimento das equipes de saúde que prestam atendimento a essas pequenas vítimas quando, eventualmente, vão parar em prontos-socorros ou unidades básicas de saúde. 


A situação é semelhante a outras formas de violência doméstica, como a que afeta as mulheres. Se a criança chega ao pronto-socorro com evidências claras de ter sido agredida ou molestada sexualmente, é preciso que atendentes, médicos e demais equipes estejam capacitadas para identificar os sinais. 


Também é preciso desenvolver campanhas nas escolas públicas e particulares, porque é lá que tanto a criança se sente segura e confortável para falar, como a proximidade com professores e corpo técnico pode ser suficiente para identificar que algo está errado com aquele aluno ou aluna. 


Segundo o Anuário de Segurança, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no ano passado, a cada hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas no Brasil. Nem todas engravidam como a menina do Espírito Santo. Mas todas, invariavelmente, levam para a vida distúrbios e marcas que vão perdurar por toda a existência. E podem se refletir em comportamentos semelhantes ou dificuldade de relacionamentos sociais por toda a existência. 


Mais do que discutir se o aborto é ou não legítimo, é preciso cuidar para que a origem da gravidez não mais aconteça. 


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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