Saúde e dados

É correto impedir que as informações sejam compartilhadas para ganhos e vantagens financeiras de empresas, mas não se deve impedir o avanço da ciência

Por: Da Redação  -  26/06/19  -  18:43

Direitos individuais devem ser garantidos em qualquer sociedade democrática. Assegurar direitos, como privacidade, intimidade e inviolabilidade da residência, constitui dever das Constituições. O interesse individual não pode, entretanto, sobrepor-se ao coletivo, causando danos à maioria. Esse é, portanto, o limite que deve existir às vontades próprias: limitá-las quando trazem consequências negativas aos demais cidadãos. É o caso das leis antifumo e do controle a violações no trânsito.


Essa questão surge a propósito de recente lei aprovada pelo Congresso Nacional, criando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados e alterando pontos da Lei Geral da Proteção de Dados. O texto segue agora para sanção presidencial, e as obrigações ali estabelecidas vigorarão a partir de agosto de 2020. Entre elas estão dispositivos relacionados à área da saúde.


Uma das principais críticas à nova lei é que ela poderá atrasar os programas de inteligência artificial que, dentre outras soluções, podem contribuir para diagnosticar o câncer e rastrear distúrbios genéticos graves. Isso se deve ao fato que, com a nova lei aprovada, a comunicação ou uso compartilhado de dados sensíveis entre controladores, como é o caso dos prontuários médicos, pode ser vedado, ou pelo menos regulamentado por autoridade nacional.


O compartilhamento amplo de dados médicos é fundamental para que a pesquisa avance em todas as áreas. Destaque-se ainda que a inteligência artificial só funciona adequadamente com grande volume de informações. São muitos os avanços possíveis, como, a partir do progressivo sucesso no reconhecimento de imagens, patologistas passarem a identificar rapidamente situações de risco, além de que a tecnologia pode ampliar a eficiência de exames radiológicos e melhorar a precisão dos diagnósticos.


A utilização de dados pela inteligência artificial não precisa revelar a identidade dos pacientes. Mas seu uso sistemático é justificado de maneira ampla, exatamente em áreas que pode trazer grandes avanços. Ressalte se que é sempre difícil reunir grandes conjuntos de dados (big data) de saúde que representem determinada população, já que essas informações estão dispersas em uma infinidade de consultórios, laboratórios e hospitais com diferentes formas de registro, que são, em geral, muito refratários a facilitar a disponibilização dos dados.


A nova Lei de Proteção de Dados vem complicar mais a situação. Muitas startups da área, como as healthtechs, que podem trazer grande contribuição à inovação na área da saúde, terão sua ação restringida, sujeitas a multas e interdições se tiverem acesso a cadeias de dados. É correto impedir que as informações sejam compartilhadas para ganhos e vantagens financeiros de empresas, mas não se deve impedir o avanço da ciência. Na verdade, está em jogo a possibilidade que todas as pessoas tenham vidas mais longas e saudáveis.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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