Foi abusivo e absurdo o memorando da Secretaria de Educação de Rondônia com a intenção de recolher das escolas públicas 43 títulos de livros que teriam “conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”. A lista continha obras clássicas, incluindo “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, estranhamente grafada como “Os Sertões da Luta”, a sugerir a intenção obscurantista dos censores, “Memórias Póstumas de Braz Cubas”, de Machado de Assis, e “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, de Mário de Andrade.
Figuram ainda na relação livros de Rubem Fonseca, Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar e até mesmo de Franz Kafka e Edgar Allan Poe. Nota-se que a cruzada foi dirigida à cultura em sentido amplo, atingindo autores diversos quanto ao estilo, conteúdo e ideologia (se é que se pode identificar esse aspecto em algumas delas). Ainda foi acrescentado que todos os livros de Rubem Alves, autor que escrevia sobre educação e questionava o formato tradicional das escolas, deveriam ser recolhidos.
Não há dúvida sobre a autenticidade do memorando, que foi encaminhado a coordenadores regionais da Educação do Estado, assinado pelo titular da pasta, Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu. Imagens da lista foram divulgadas pela internet, e tiveram ampla repercussão negativa em todo o país, fazendo com que a “missão de recolhimento dos livros” fosse abortada.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, manifestou-se imediatamente a respeito do caso, declarando que é absolutamente inacreditável que no século 21 alguém tente censurar livros como esses. Não há justificativa para atitudes desse tipo: elas precisam ser condenadas com veemência pela sociedade e coibidas pela Justiça.
Infelizmente, esse não é um caso isolado. Na recente Bienal do Livro do Rio de Janeiro, o prefeito da cidade, Marcelo Crivella (PRB), tentou impedir a venda de uma revista em quadrinhos, alegando que havia uma cena em que dois personagens masculinos se beijavam. Em Rondônia, já houve situações semelhantes em 2017: a Prefeitura de Ariquemes mandou suprimir dos livros didáticos páginas que falassem de diversidade sexual, e um grupo de 150 pais do município de Ji-Paraná, segundo mais populoso do Estado, mobilizou-se para proibir um livro de ciências da 8ª série que tinha foto de pênis no capítulo reservado ao corpo humano masculino.
Qualquer tipo de censura é vedado pela Constituição Federal. E é importante destacar que não se pode permitir a uma autoridade ou burocrata lotado em um gabinete qualquer que decidam sobre o que é (ou não) adequado a outras pessoas, sejam elas crianças, jovens ou adultos. Livros são fonte de informação, cultura e saber, incomodando, discordando, provocando: essa é sua função social, que não pode ser eliminada por absurdos critérios ideológicos.