Retorno à exclusão

Decreto assinado pelo presidente incentiva a volta de salas e escolas especiais para crianças e jovens com deficiência

Por: Da Redação  -  04/10/20  -  12:00
Atualizado em 04/10/20 - 12:21

O presidente Jair Bolsonaro assinou, na última quinta-feira (1), decreto que incentiva adoção de salas e escolas especiais para crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento como autismo e superdotação. Segundo o Ministério da Educação, a ideia é dar mais flexibilidade aos sistemas de ensino e mais opções para estudantes e famílias. “Muitos estudantes não estão sendo beneficiados em classes comuns”, justificou o ministro Milton Ribeiro.


A medida faz parte da Política Nacional de Educação Especial, e o decreto prevê recursos para redes públicas que queiram adotar a política, e para entidades, como as Apaes, institutos para surdos e outras que ofereçam educação especial. Dados extraídos de fontes oficiais indicam que, atualmente, 90% dos estudantes com algum tipo de deficiência estudam em escolas regulares, número que vem crescendo desde 2008, quando teve início uma política inversa à que está sendo proposta: a da inclusão.


Algumas palavras podem definir bem essa novidade ora proposta pelo presidente Jair Bolsonaro, por meio do Decreto 10.502: inconcebível, retrógrada, excludente. Basta dizer que tão logo o decreto foi assinado, entidades que lidam com esse público começaram a se manifestar fortemente. “Propor escolas e classes especializadas é um retorno à exclusão. Como há dificuldades para acesso à educação regular, o governo culpa o aluno e não o sistema educacional. É uma sutil retomada das escolas especiais, cedendo à pressão de instituições que atuam nesse segmento e querem dinheiro do Fundeb”, disse Antonio Carlos Sestaro, presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down.


Já vai longe o tempo em que crianças ditas “diferentes” eram segregadas em salas especiais, longe dos “normais” até mesmo no intervalo entre as aulas. Essa realidade vem mudando ano após ano, não só com uma política que busca mostrar a saudável diversidade da sociedade, como também a forma correta de se nominar quem tem algum tipo de deficiência. O próprio mercado de trabalho já se mostra mais aberto a contratar pessoas com deficiência independentemente das cotas obrigatórios previstas em lei.


Ser deficiente não é ser incapaz, não é ser hostil à convivência, à interatividade, ao mundo. Apesar das dificuldades estruturais de um país continental como o Brasil, a inclusão tem sido uma realidade positiva, que já é capaz de identificar e criminalizar os que se portam de forma preconceituosa e hostil. 
Políticas públicas, em especial as que são voltadas à Educação, levam tempo para se consolidar e mostrar resultados. Tem sido assim com todas as grandes transformações sociais no Brasil pós-redemocratização. Os efeitos desse decreto certamente serão sentidos em médio e longo prazos. Que a força da sociedade organizada e consciente seja capaz de revogar o decreto da exclusão.

 


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