As divergências políticas e ideológicas, normais entre líderes e seus governos, não podem ser estendidas aos interesses estratégicos dos Estados. Nesse sentido, é fundamental que as relações internacionais sejam pautadas pelo respeito mútuo, permitindo assim que as negociações econômicas e comerciais sejam conduzidas sem abalos e rupturas, que não interessam a ninguém.
A viagem do presidente Jair Bolsonaro ao Japão e China e a países árabes do Oriente Médio deve ser entendida nessa perspectiva. É muito positivo que o discurso oficial seja da intensificação de negócios, com atração de investimentos estrangeiros no Brasil. O mal estar com a China, logo após a posse do presidente, parece ter sido superado, e é importante cultivar boas relações econômicas com os chineses, que têm se destacado no cenário mundial como grandes compradores de commodities, além de investidores em obras de infraestrutura. Da mesma forma, a promoção do comércio com os países árabes deve ser intensificada, e os US$ 10 bilhões do Fundo Soberano da Arábia Saudita são muito bem-vindos.
Há, entretanto, certa preocupação com as relações com a Argentina. Os primeiros passos não foram positivos: o presidente eleito Alberto Fernández apoiou, com gestos, o movimento pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fato que provocou reação do presidente Jair Bolsonaro, deixando claro que "lamentou" a vitória do kirchnerismo, declarando ainda que os "argentinos escolheram mal". Para ele, o gesto de Fernández a favor de Lula afrontou a "democracia brasileira e o sistema judiciário brasileiro".
O chanceler Ernesto Araújo foi além e em seu Twitter comentou que "as forças do mal estão celebrando", referindo-se à eleição argentina. A continuidade dessas acusações não leva a lugar algum, e só compromete o futuro: a Argentina é importante parceiro comercial do Brasil, e é preciso, como destacou o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, que os dois países continuem "caminhando em conjunto", além de se reforçar o Mercosul, especialmente quando avançou o acordo do bloco com a União Europeia.
É fato que as vendas para a Argentina caíram - até setembro deste ano, elas registram queda de 39% diante de igual período de 2018 - mas ainda assim seguem relevantes, já que as importações argentinas se concentram em produtos manufaturados, de maior valor agregado, como veículos e autopeças.
O pragmatismo responsável é histórico na diplomacia brasileira, e foi praticado, sem interrupções, no regime militar. O governo Bolsonaro deve seguir esse modelo: afinal, não há inimigos a combater, e sim parceiros comerciais efetivos ou potenciais com os quais é possível realizar trocas e negociações que interessam ao desenvolvimento nacional.