A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que não está preocupado com o reflexo do resultado das eleições e que o pleito municipal não tem a ver com o federal prova que o Palácio do Planalto sentiu o baque das urnas. O recado do eleitorado foi claríssimo. A esquerda, após a surra de 2018, começa a se recompor em um cenário sem PT protagonista. Já os movimentos sociais (feminista, LGBT, negro, das favelas), provocados pela onda conservadora, reagiram e conquistaram espaços no domingo. O Centrão, aglomerado de profissionais da política sem grandes convicções, mas que sabem se mover conforme os ventos das tendências, também se deu bem. O PSD, de Gilberto Kassab, terceiro colocado em prefeituras (atrás do MDB e PP), é apontado como um dos grandes vencedores da eleição, enquanto o DEM capturou capitais e cidades importantíssimas. Esses prefeitos serão cabos eleitorais em 2022.
O péssimo desempenho dos aliados mais fiéis se deu logo após o presidente suspender uma fase paz e amor, de aproximação com os outros poderes e moderação no discurso. Bolsonaro administrou mal o incômodo de generais com exposições humilhantes de seus pares (Eduardo Pazuello) e se irritou com o vice Hamilton Mourão, que tenta traçar rumo próprio. Bolsonaro quer mesmo é se livrar dele.
O sucesso dos adversários do bolsonarismo domina o noticiário, mas não se pode esquecer que o pano de fundo do último dia 15 é uma insatisfação com os serviços prestados em quase dois anos de governo. Além da insensibilidade com as perdas de 167 mil vidas e o impacto psicológico e financeiro disso nessas famílias, e de discursos grosseiros dos mais variados temas, o currículo de Bolsonaro ainda não tem realizações convincentes para confrontar com competidores na próxima eleição presidencial. O auxílio e o conjunto de medidas de preservação do emprego aparecem como uma das exceções, mas são emergenciais – esgotarão-se em poucas semanas e não se sabe se algo será reaproveitado.
Entretanto, o imobilismo ou ausência de feitos domina as pastas de Saúde, Educação, Meio Ambiente e Diretos Humanos e a Secretaria de Cultura, que têm a característica comum de serem comandadas por pessoas de incapacidade gerencial e adeptas de discussões conspiratórias. Não há sinais robustos de avanço no ensino de Matemática e Português ou se um plano habitacional mesmo que modesto vai sair do papel. Pazuello reforçará o SUS ou Paulo Guedes finalmente vai privatizar estatais e desengavetar reformas?
Com os fôlegos da esquerda e do Centrão, o presidente aumentará sua dependência desse grupo pragmático que busca cargos com verbas para se reeleger. Uma das possibilidades de Bolsonaro é alimentar o discurso ideológico para manter uma base eleitoral suficiente para levá-lo ao segundo turno em 2022. Obviamente que o caminho esperado não é esse e sim o da moderação e de bons serviços públicos.