Na última semana, o prefeito de Milão, Giuseppe Beppe Sala, reconheceu que cometeu grande erro ao lançar, no final de fevereiro, a campanha "Milano Non Si Ferma" (Milão não para). Naquele momento, a Itália contabilizava apenas 12 mortos, mas havia sinais evidentes que a epidemia do coronavírus se alastrava por todo o norte do país.
A campanha em Milão, criada por empresários de gastronomia e replicada por alguns políticos (entre os quais o prefeito da cidade), pedia a reabertura de escolas, museus e teatros. Sala não hesitou, à época, em afirmar que "a cultura é vida". Um mês depois, porém, o prefeito se desculpou, justificando que "naquele momento ninguém entendia a veemência do vírus".
O alerta de Milão deve ser levado em conta pelas autoridades brasileiras que, influenciadas pelos recentes pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro, começam a admitir que é possível relaxar o atual isolamento social, com a abertura do comércio e das escolas, promovendo o que chamam de "confinamento vertical", em que apenas os grupos de risco (idosos e pessoas com doenças pré-existentes) seriam afetados pelas medidas restritivas de circulação.
Outros governantes italianos cometeram o mesmo erro: o prefeito de Bergamo, a cidade mais atingida pelo coronavírus, Giorgio Gori, organizou um jantar com seus secretários em restaurante chinês para combater o racismo contra o povo da China, apontado por muitos como culpado pela difusão do vírus.
Os erros foram cometidos por políticos de todos os partidos e ideologias na Itália. Sala e Gori pertencem à centro-esquerda (Partido Democrata), e o secretário-geral da sigla, Nicola Zingaretti, também se juntou ao movimento contrário à quarentena, chegando a promover um happy-hour em Milão com seus correligionários. Poucos dias depois, Zingaretti testou positivo ao coronavírus e foi posto em isolamento.
Os líderes da direita não agiram de modo diferente. Há um mês, o líder da Liga, Matteo Salvini, também pedia enfaticamente a reabertura de todas as atividades comerciais. No dia 1º de março, seu colega de partido e governador da região do Vêneto, Luca Zaia, pediu ao governo central que reabrisse "escolas, teatros e igrejas com distanciamento entre as pessoas".
A Itália enfrenta problemas gigantescos, com milhares de mortos, e colapso de seu sistema de saúde, incapaz de atender aos pacientes. É consenso que isso poderia ter sido minimizado se ações efetivas de isolamento e preparação para enfrentar a pandemia, aumentando a quantidade de testes e preparando rapidamente hospitais e UTIs, tivessem sido tomadas.
O exemplo italiano é a demonstração que propostas de flexibilizar o confinamento no Brasil não devem prosperar. É melhor reconhecer isso agora do que lamentar e arrepender-se dentro de algumas semanas.