Em meio à paralisação da economia e destruição de empregos pela pandemia, não há apenas notícias ruins na economia brasileira. Uma das boas surpresas é um levantamento feito pela consultoria Tendências, segundo o jornal Valor, de que no período do impacto do novo coronavírus o País fez uma poupança extra de R$ 470 bilhões que pode se tornar um dos principais propulsores do consumo nos próximos meses (o valor equivale a 14 meses de depósitos novos na poupança, com base em média atual). Esses recursos foram depositados em investimentos ultraconservadores, como caderneta de poupança, fundos DI e Tesouro Direto, por consumidores que preservaram seus salários ou aposentadoria e suspenderam gastos, como viagens e compras em shoppings.
Porém, a maior parte dessas aplicações é precaucional, segundo economistas e o próprio Banco Central. São valores acumulados devido ao medo do desemprego ou suspensão de outras receitas, fazendo com que, em tese, fiquem guardados até que a confiança no mercado retorne. Portanto, o governo precisa fazer sua parte, que é demonstrar responsabilidade no âmbito fiscal, controlando o endividamento público e o aumento dos gastos, monitorando paralelamente o repique da inflação nos alimentos.
Se de uma forma essa poupança inesperada dá solidez ao sistema financeiro – durante o pico da pandemia os bancos temiam uma disparada dos calotes – por outro lado ela sinaliza que uma parte da sociedade poderá voltar ao consumo com baixo endividamento. Um dos estímulos para isso é o juro baixo, que dá retorno e até perda de poder aquisitivo perante a inflação. No Brasil, o consumo das famílias é o principal motor da economia nas últimas décadas. Diferente da China, cuja expansão estabilizada em níveis elevados foi sustentada desde o final do século passado pelo investimento em infraestrutura com geração de empregos. Porém, esses recursos vêm tanto da forte capacidade de poupança do governo como da população. No Brasil, o estímulo aos investimentos financeiros é muito recente devido à hiperinflação até os anos 1990, que corroía os salários em poucos dias.
Por isso, é importante que o governo adote estímulos ao consumo de forma muito responsável, sem expandir o endividamento das famílias ou anular a poupança formada na pandemia. Durante as gestões petistas, o governo estimulou a economia por meio da transferência de renda, mas também pela liberação de crédito. Entretanto, os juros eram bem mais altos (taxa Selic entre 7,25% e 14,25% ao ano) e impulsionaram as dívidas.
Como a economia segue turbinada por estímulos do governo que vão secar em janeiro, é previsível que haja uma desaceleração bem forte da recuperação. Sendo assim, o governo precisa de um arsenal de alternativas de mercado. Mas isso vai depender de uma equipe econômica bem focada e não distraída pelos intensos conflitos políticos na gestão de Jair Bolsonaro.