Improviso para a saúde

A proposta é complexa demais para ser destravada por decreto, pois sugere resolver problema de verbas e gestão

Por: Da Redação  -  30/10/20  -  10:06

A ideia do governo de estudar a concessão de unidades básicas de saúde (UBS), mais conhecidas como postos no interior ou policlínicas em Santos, à iniciativa privada chegou de forma tão improvisada à sociedade que, em poucas horas, foi engavetada. O debate sobre a necessidade de reduzir o tamanho do Estado é bem-vindo, desde que conduzido seriamente. A impressão que a proposta passou foi a de transferir para a iniciativa privada as responsabilidades, sem grande detalhamento, de um serviço vital para milhões de famílias. A explicação do presidente Jair Bolsonaro, de que não se trata de privatização, mas de destravar obras inacabadas de 4 mil UBSs e 168 unidades de pronto-atendimento (UPAs), deixou uma imagem de solução prática com vistas eleitoreiras. Se desse resultado, haveria um calendário interminável de inaugurações nos rincões do País até 2022. 


Porém, a saúde é mais complexa. Terminada a construção começariam duas etapas fundamentais – e caras - investir em equipamentos e depois em equipes médicas e de manutenção e nos suprimentos, custos que recairiam sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e o caixa de prefeituras e governos dos estados. Será que haveria planejamento para essas despesas em cadeia? 


Os mais velhos já cansaram de ver nas últimas décadas projetos abandonados por falta de verbas, como muitos hospitais e escolas. Os erros do passado não podem ser repetidos. A saúde pública não pode ficar à mercê de soluções simplistas ou de planos traçados rapidamente, esta foi a impressão passada, nos gabinetes da Esplanada dos Ministérios. A proposta é complexa demais para ser destravada por decreto, pois propõe resolver um grande problema não só de verbas, mas também de gestão – ambos, no final, acabam entrelaçados. 


Entretanto, o caso das UBSs tem contornos políticos profundos. O governo emitiu o decreto mencionando que se tratava de “estudo”, mas na prática pareceu mais um balão de ensaio para sondar o mercado. A sensação passada foi de improviso. Ao se propor mudar uma área tão essencial para a sociedade e abrangente em número de serviços, é preciso que as autoridades, o próprio presidente e seus ministros, exponham-se publicamente com explicações convincentes. Como não foi o caso, a ideia foi rapidamente bombardeada. Inclusive por argumentos favoráveis ao inchaço do Estado, prejudicando eventuais privatizações urgentes e mais viáveis, como de estatais inoperantes nas mãos do setor público ou concessões que possam rapidamente atrair capitais e empregos. 


Já são inúmeras as vezes que o governo precisa recuar de suas intenções. O presidente se mostra mais sensível que seus antecessores à reação pública, reflexo da era das redes sociais, mas também de sua concepção populista. Contudo, tanto vaivém e debate público de projetos sem embasamento levam ao risco de permear seu governo de descrédito, com reflexos para o próprio País.


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