Hora da grande responsabilidade

A leitura é de que há deterioração clara das contas públicas e é preciso ser melhor remunerado frente a esse risco

Por: Da Redação  -  08/10/20  -  11:25

Nas últimas semanas, pequenos poupadores do Tesouro Direto foram surpreendidos pela queda da rentabilidade, que ficou até negativa, do título corrigido pela taxa Selic. Em um movimento raro, mas não inédito, investidores de maior porte passaram a recusar os títulos para obrigar o Tesouro Nacional a melhorar os juros. A leitura é de que há deterioração clara das contas públicas e é preciso ser melhor remunerado frente a esse risco. 


Também nas últimas semanas, ganhou força no governo a ideia de criar o Renda Cidadã “de uma forma ou de outra”, como teria dito o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, em live fechada para o público. O contexto dessa fala simboliza a impressão de que o presidente Jair Bolsonaro estaria seduzido a romper o teto de gastos – essa regra prevê que o setor público não pode gastar mais que no ano anterior, além da correção pela inflação. Com indisposição política para fazer cortes e privatizações, o governo aproveitaria o momento atual, de exceção, para aumentar as despesas e sustentar o Renda Cidadã, previsto para substituir o Bolsa Família a valores mensais mais altos e número maior de beneficiários.


O ponto central dessa desconfiança do mercado com o governo e que teve reflexo direto no Tesouro é justamente a discussão sobre furar ou não o teto de gastos. A tentação de se tornar fura-teto é a popularidade que o presidente teve com o auxílio emergencial. Esse benefício é financiado pelo orçamento de guerra, o rombo autorizado pelo Congresso para impedir a miséria e a bancarrota desenfreada durante a covid-19. Antes do novo coronavírus, o setor público previa trabalhar com um deficit de até R$ 140 bilhões neste ano. Com a covid-19, o fechamento no vermelho deve chegar aos R$ 800 bilhões. Essa cifra não é virtual e tem um custo, que é o próprio endividamento público. E ele pode piorar se os juros tiverem que subir para o governo continuar buscando recursos para se sustentar.


Além disso, há o risco da inflação. Se a injeção desses recursos, necessários para evitar o massacre financeiro da sociedade, já resultou em inflação – ainda localizada no setor de alimentos e materiais de construção – imagina-se a tragédia se esses gastos atravessarem o próximo ano e, quem sabe, 2022, ano de eleição presidencial. 


Portanto, diz-se que este é o momento de maior responsabilidade dentro do governo, de escolher elevar os gastos sem previsão de receita (os juros cobrem a diferença) ou de manter a austeridade ainda que a algum custo de popularidade. O guardião das contas públicas é o ministro Paulo Guedes, mas que precisa ser endossado pelo próprio Bolsonaro. O problema é que em muitos momentos o mandatário parece fritá-lo, um jogo que agrada o Centrão, de histórico altamente lesivo às contas públicas, pois precisa não só de cargos, mas de verbas para sustentar seus redutos. Resta ao presidente decidir para onde vai levar seu governo.


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