Hiperinflação e caneta sem tinta

A prioridade é a vantagem política que se pode tirar, embasada pela ideia de Estado como fonte infinita de recursos

Por: Da Redação  -  13/11/20  -  10:20

A fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que há risco de haver hiperinflação no País, é um alerta real e ao mesmo tempo destemperada. Na avaliação da equipe econômica, eventual desconfiança na capacidade do governo de controlar os gastos e segurar os juros da dívida pública pode resultar na disparada do dólar, um ativo mais procurado nos momentos de incerteza ou debilidade da moeda local. Se o real passa a se desvalorizar mais rapidamente, os preços sobem sem controle, contaminando os diversos setores da economia – atacado, varejo, tarifas públicas e tudo que estiver pela frente. Assim, a hiperinflação, que formalmente é classificada quando os índices sobem 50% ao mês (tal como nos anos 1980 e 1990), torna-se inevitável num País de disposição voluntária para remarcar preços. Inúmeros são os contratos que embutem correções, desde os acordos sindicais até as remunerações das concessões da infraestrutura. Portanto, a estrutura de reajustes herdada dos tempos inflacionários permanecem vivas. Por isso, conclui-se que o ministro não erra ao fazer seus alertas apocalípticos.


Clique e Assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe acesso completo ao Portal, GloboPlay grátis e descontos em dezenas de lojas, restaurantes e serviços!


Porém, Guedes se serve do tom catastrófico conforme perde poder político. O presidente Jair Bolsonaro costuma enaltecer seu guru econômico, mas raramente o segue. Se o ouvisse, não teria deixado a reforma da Previdência ser tão desidratada. Da mesma forma, as privatizações teriam saído do papel, a reforma administrativa derrubaria privilégios do setor público e, por fim, até um projeto robusto de revisão da carga de impostos estaria devidamente discutido e, quem sabe, aprovado no Congresso.


Passaram-se quase dois anos e o ministro ainda não tem muito o que acrescentar a seu currículo de realizações no governo. 


Portanto, os sustos que o ministro busca apregoar, como anotou o jornal O Estado de S. Paulo, são voltados ao público interno – Bolsonaro, ministros adversários ou não e lideranças parlamentares.


Porém, a tradição mostra que a preocupação fiscal não é o forte de Brasília. Lá, a prioridade é a vantagem política que se pode tirar, embasada pela ideia antirrepublicana de ver o Estado como fonte inesgotável de recursos. Esta última década perdida, de crescimentos pífios intercalados por recessões, prova que os cofres públicos estão esgotados. 


Assim, admite-se que Guedes tem total razão quando diz que é precisa chacoalhar a máquina estatal para o setor privado trabalhar pelo País. Entretanto, sua fala aterrorizante sobre gastos, dívidas e inflação começa a passar a impressão de governo sem rumo. Afinal, o presidente, já na metade de mandato, que caminho pretende adotar? A sensação é de que a gestão bolsonarista, excluindo sua arcaica pauta de costumes, não sabe o que fazer. O programa do ministro, de austeridade e combate à burocracia, é correta, mas essas ideias já eram defendidas em maior ou menor grau. Ainda é um mistério sobre quando o governo irá partir para efetiva prática das medidas.


Tudo sobre:
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter