Flexibilização no Porto

Embutir mudanças concorrenciais nas entrelinhas de uma MP de cunho sanitário não foi a melhor das ideias

Por: Da Redação  -  01/08/20  -  11:25

A redução da burocracia, com o desembaraço de entraves que retardam os investimentos da iniciativa privada, e o andamento mais célere dos projetos tocados pelo setor público são reivindicações antigas. Por outro lado, normas claras resultantes de ampla discussão são altamente recomendadas para não embasar judicialização por parte do lado que se mostrar insatisfeito ou discordar da nova normatização. Na quarta-feira e ontem, respectivamente a Câmara e o Senado aprovaram a Medida Provisória nº 945, editada com ações de proteção ao setor portuário frente à pandemia. O que chamou a atenção é que, destoando do mote da questão sanitária que justificou a edição da MP, emendas embutidas alteraram essencialmente a Lei dos Portos, de número 12.815/2013. No texto está um ponto de grande atenção para o mercado, que é a dispensa de licitação para o arrendamento de áreas portuárias. 


Questões de entorno concorrenciais são altamente delicadas e suas regras precisam estar bem delineadas por ampla consulta às partes envolvidas, que não só as autoridades públicas, mas os vários segmentos que formam um mercado, neste caso, o portuário. Quando nele há uma atuação forte do Estado, o que exige transparência, o cuidado precisa ser redobrado. 


Nesta revisão por meio de emendas de MP no Congresso, uma das principais alterações dispensa de licitação dos arrendamentos se houver apenas um interessado para a exploração da área. O Ministério dos Transportes, em nota, explica que essa medida se justifica pela verticalização do setor, quando um grupo está presente em toda a cadeia do negócio (por exemplo, da produção no campo ao transporte terrestre até a destinação marítima, incluída a logística portuária). A MP modificada também permite exploração temporária pelo operador até 48 meses sem prorrogação se em área ociosa. Também há normas na MP que conferem maior autonomia ao arrendatário para agilizar seus investimentos. 


A flexibilização das regras e a redução da burocracia potencializam os investimentos, principalmente em um segmento de infraestrutura como o portuário. Porém, mudanças consideráveis como as aprovadas pelo Congresso – falta agora apenas a sanção presidencial – precisam ser amplamente discutidas. Até para que não haja falhas no texto que deem brechas para disputas judiciais e para que determinado segmento ou grupo econômico não argumente sobre eventuais omissões. 


Embutir mudanças concorrenciais e de transparência nas entrelinhas de uma MP de cunho sanitário não foi a melhor das ideias para modernizar o setor, com destaque para o Porto de Santos. Essa iniciativa de incluir em uma MP assuntos que não são diretamente relacionados ao tema central não é nova no Congresso e sinaliza indisposição para discutir providências de interesse regional. Afinal, um grande investimento traz impactos locais à economia e à sociedade.


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