Entre o discurso e a prática

O Governo acertou em adotar meios digitais, mas não pensou na falta de estrutura do sistema como um todo

Por: Da Redação  -  07/05/20  -  12:06

Desde o início do programa de auxílio emergencial de R$ 600,00, no mês passado, centenas de milhares de beneficiários têm relatado problemas para cadastrar ou movimentar os valores. Na segunda-feira da semana passada, com o início do saque direto da poupança digital, quase todas as cidades brasileiras vêm registrando filas e aglomerações na porta das agências da instituição federal. Na Baixada Santista, as cenas também têm sido comuns: homens, mulheres, idosos e jovens chegam a se instalar de madrugada na porta da agência para ter seu atendimento garantido pela manhã.


A opção do governo em realizar o cadastro de forma digital é correta. Além de ir incluindo as ferramentas digitais, gradativamente, no dia a dia da população, é o melhor caminho em tempos de pandemia. É fato que muitos - especialmente os idosos - não têm acesso ou facilidade com os meios digitais, mas é possível dizer que não são a maioria. Portanto, podem ser tratados como exceção, o que torna legítima a adoção dessas opções.


Mas se esse método foi acertado para evitar acesso desnecessário às agências na hora do cadastramento, o mesmo não vem acontecendo de duas semanas para cá, quando os beneficiários precisam sacar os valores. A ponta final do programa falha e acaba tornando inócuas as medidas preventivas adotadas na origem. Agências com poucos funcionários, tanto no caixa como no auto-atendimento, problemas técnicos e no serviço de atendimento ao cliente são os principais problemas relatados.


As filas que se formaram desde então se contrapõem severamente à necessidade de resguardo, isolamento e distância. Se para entrar nas agências há todo um cuidado para evitar multidões, do lado de fora impera a falta de cuidado com pessoas que, não bastasse a miséria, precisam esperar sob sol e chuva pelo momento de serem atendidas. A questão poderia ter sido resolvida na origem, distribuindo a outras instituições bancárias a tarefa de fazer os pagamentos. 


Em outras palavras, o Governo acertou na agilidade em disponibilizar os recursos e em adotar ferramentas digitais para cadastrar os beneficiários, mas não dimensionou que, na ponta final, o cidadão encontraria um sistema bancário que, mesmo antes da pandemia, já era foco de queixas e atendimento deficitário.


Importante destacar que situações assim são tão corriqueirais que já passam como normais pelo cotidiano das cidades. A velocidade do anúncio de medidas governamentais é maior do que aquela que chega na ponta do processo, onde o cidadão vai buscar o que foi prometido. Só para ficar no ambiente da Caixa, não foram poucos os anúncios de reabertura de crédito para financiamento habitacional popular que, na prática, ainda demoraria a estar disponível ao mutuário. Nada, porém, que não se possa corrigir com um pouco mais planejamento e organização, de ponta a ponta.


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