Consultas ao povo

Promover a participação dos cidadãos na vida política e ampliar a oportunidade de democracia direta é desejável, mas exige cuidado na sua aplicação

Por: Da Redação  -  14/06/19  -  09:04

A internet e a disseminação das redes sociais tornaram possível a consulta popular sobre os mais variados temas. Na prática, as pessoas já exprimem sua opinião e manifestam pontos de vista sobre muitos assuntos todos os dias, e há quem defenda que procedimentos desse tipo sejam mais frequentes e capazes de orientar parlamentares em seus votos no Congresso.


É preciso, entretanto, algum cuidado com tais ações. Tanto a Câmara como o Senado promovem consultas regulares sobre projetos em tramitação nos seus sites, mas elas não têm qualquer valor científico, uma vez que são respondidas por grupos mobilizados (e não pelo conjunto da sociedade) e muitas vezes influenciadas por robôs.


A Constituição Federal estabelece mecanismos de democracia direta, como plebiscitos e referendos. Não há dúvida que estes, quando convocados, exprimem, de forma inequívoca, a opinião da população. Mas é preciso cautela no uso desses instrumentos. No Brasil, ao contrário de outros países, plebiscitos e referendos são raros - desde 1988, só houve um plebiscito, sobre a forma e sistema de governo, em 1993; e um referendo sobre a comercialização de armas de fogo e munições, em 2005.


A experiência internacional mostra também problemas. Temas complexos não são compreendidos pelos eleitores, e reduzir a decisão a escolher, de maneira excludente, entre “sim” e “não”, pode não ser a melhor maneira de praticar a democracia. O recente episódio do Brexit, na Grã-Bretanha, ilustra bem essa questão: colocado o tema de modo precipitado em um plebiscito, em circunstâncias em que o tema não foi suficientemente esclarecido, provocou resultado favorável à saída do Reino Unido da União Europeia por margem estreita, e as consequências aí estão, de maneira dramática.


Outro paradoxo que as consultas populares podem provocar é legitimar ações e decisões de líderes autoritários. Em determinadas situações eles conseguem apoio popular e aprovação, fruto de atitudes populistas e demagógicas, e podem convocar eleitores a, no limite, suprimir as regras democráticas.


Promover a participação dos cidadãos na vida política e ampliar a oportunidade de democracia direta é desejável, mas exige cuidado na sua aplicação. Uma das maneiras de praticar tais ações seria, no caso brasileiro, estendê-las ao nível local. Nas eleições municipais, além da escolha do prefeito e dos vereadores, poderiam ser incluídas consultas sobre temas locais: os eleitores estariam naturalmente mais informados a respeito e poderiam opinar com consciência.


Testar os plebiscitos nos municípios poderia ser bom ponto de partida para fazer crescer a participação e o interesse dos cidadãos por temas e assuntos da comunidade. Imaginar, porém, que as redes sociais são a plataforma da democracia direta pode ser erro perigoso.


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