Chagas que persistem

Há números que corroboram o passivo social brasileiro, numa clara afronta ao conceito de nação civilizada

Por: Da Redação  -  05/10/20  -  11:24

Mais de 500 anos de história e o Brasil ainda não foi capaz se libertar de mazelas tão improdutivas quanto cruéis. A questão racial, por exemplo, é um destes temas que vez por outra entra em evidência quando a discriminação ocorre por meio da violência ou de atos que afrontam a cidadania. 


Nas últimas semanas, porém, o condão que levou a debates acalorados foi o programa do Magazine Luiza, que abriu vagas para trainees exclusivamente a pessoas negras. Como defende a empresa, trata-se de uma política afirmativa e que busca um equilíbrio de posições nos quadros internos, especialmente no tocante aos cargos de liderança.


Houve vozes contrárias à iniciativa, como a do deputado federal e vice-líder do Governo na Câmara, Carlos Jordy (PSL-RJ). O parlamentar, que se já manifestou nas redes sociais se dizendo contra cotas raciais, alegou que o programa da Magazine Luiza se configurava como “crime de racismo” e que entraria com representação no Ministério Público para denunciar o programa. Na visão dele, a proposta da empresa impedia o acesso de pessoas não negras a postos de trabalho. A corporação respondeu que estava tranquila quanto à legalidade do programa que, inclusive, atendia a nota técnica de 2018 do Ministério Público do Trabalho e em consonância com preceitos do Estatuto da Igualdade Racial. 


Historicamente, o Brasil é um país excludente no quesito de igualdade de oportunidades. Louve-se, portanto, iniciativas que visam cessar com esta aberração social indulgente e inaceitável. Até o mesmo pelo próprio debate que levanta. Discussões sérias , com argumentos razoáveis, costumam funcionar como indutores de propostas saudáveis. 


O mercado de trabalho, assim como o acesso à Educação, é um dos termômetros que aferem o grau de democratização do acesso a pressupostos de cidadania. Como demonstrou a matéria intitulada Desigualdade racial é corporativa, da repórter Tatyane Calixto, publicada ontem em A Tribuna, a Baixada Santista não está fora desta conjuntura desproporcional. Levantamento da plataforma Quero Bolsa, uma espécie de observatório de vagas e bolsas de estudo no Ensino Superior, demonstrou que apenas 20,7% dos contratados para cargos de liderança, nos seis primeiros meses deste ano, eram negros (negros ou pardos).


Dados do IBGE, divulgados no ano passado, mostram que os negros e pardos representam 64,2% dos trabalhadores desocupados ou subtulizados (66,1%) no País. São números que corroboram o passivo social brasileiro, numa clara afronta ao conceito de nação civilizada. 


É uma questão que deve levar tempo para ser equacionada no Brasil, haja vista a forma em que a sociedade foi estruturada ao longo dos séculos, levando-se em conta ainda ter sido o último país a acabar com a escravidão, este verdadeiro crime de lesa-humanidade. Algumas chagas persistem e é preciso eliminá-las, sob o risco de, ao contrário, continuarmos a romancear a chamada igualdade racial.


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