Caem as máscaras

O vírus da Covid-19 não quer saber de quem é a competência por legislar sobre a praia e a quem cabe aplicar multas

Por: Da Redação  -  20/07/20  -  12:25

Um final de semana após as praias de Santos registrarem movimento preocupante e aglomerações, a Guarda Municipal reforçou o patrulhamento e multou mais de 20 pessoas que não usavam máscaras, condição recomendada pelas autoridades sanitárias e transformada em lei por Estado e municípios.


Mas a notícia que correu o Brasil neste final de semana não foi a ação corriqueira de uma Guarda Municipal, tampouco o fato de que a Baixada Santista não registrou mortes entre sexta-feira e sábado. Foi o exemplo nada republicano de um dos multados que ganhou a capa dos principais sites brasileiros, elevando os índices de engajamento, compartilhamento e comentários Brasil afora.


Tivesse sido um trabalhador comum talvez não figurasse no top ten dos principais portais de notícias. O protagonista foi um desembargador, santista conhecido no universo jurídico, que até poderia ter se contraposto ao uso da máscara por não acreditar em sua eficácia. Teria a multa lavrada e, no ambiente jurídico adequado, recorreria da punição, juntando os argumentos que lhe conviessem.


Em um mundo cada vez mais vigiado por câmeras de celulares, os vídeos do momento em que é abordado pelo guarda civil correram o Brasil e mostraram uma dose nada republicana de autoritarismo e arrogância diante de um guarda que só cumpria seu papel.


Sempre é possível questionar competências jurídicas, como a quem cabe legislar sobre as praias, aplicar multas, impor disciplina e limites. E foram esses os argumentos trazidos à tona pelo desembargador, o de que “decreto não é lei”. O momento não pede debate jurídico. O vírus que já matou 80 mil brasileiros não se subjuga a leis, tampouco quer saber de quem é a praia e quem legisla sobre ela. A questão, portanto, não é jurídica, é de consciência coletiva, é de saúde, é de cuidado com o todo, é de prevenção, é de seguir o que preconizam autoridades sanitárias.


O Brasil já viveu momentos assim, de imposição de novos hábitos em benefício da segurança. Foi assim com o cinto de segurança. Foi assim com a obrigatoriedade do capacete pelos motociclistas. Mas em ambos os casos, a prevenção recaía sobre o próprio motorista. A pandemia do coronavírus ensina que a caminhada em direção à saída depende de todos, e que as portas só serão abertas quando as ações individuais tiverem sentido coletivo.


Mau exemplo do desembargador, pessoa culta e letrada, de quem sempre se espera bons exemplos a serem seguidos. Mas é preciso ir além na reflexão: não tivesse o caso sido gravado e transitado pela rede mundial de computadores, seria mais um episódio de desinteligência entre munícipe e autoridade municipal. A pandemia do coronavírus tem feito máscaras caírem e deixado em evidência quem despreza o potencial maléfico que posturas individuais têm sobre a vida em coletividade. Uma pena.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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