A renda dos vulneráveis

Um programa de transferência de renda mais robusto se tornou essencial para a sustentação da economia brasileira

Por: Da Redação  -  30/09/20  -  10:05

Comete uma falha quem credita a tentativa de criação do Renda Cidadã totalmente ao esforço presidencial de dominar redutos petistas e garantir a vitória eleitoral em 2022. Sim, há esse interesse, mas a execução de um programa de transferência de renda mais robusto se tornou essencial para a sustentação da economia brasileira. A partir de janeiro, não haverá mais auxílio emergencial para apoiar dezenas de milhões de microempreendedores e informais, a parte mais vulnerável frente a uma recessão que, como disse a economista Mônica De Bolle, será severa e prolongada. Além do sumiço do socorro financeiro, esses quase R$ 26 bilhões mensais (eram R$ 52 bilhões antes da redução da parcela mensal de R$ 600 para R$ 300) vão fazer falta para o comércio e, consequentemente, acelerar as demissões. É verdade que a economia foi reativada, mas, passada a incerteza da pandemia, que depende da vacinação, mesmo que atinja 100% de sua capacidade produtiva e de prestar serviços, não estará ao mesmo nível do período pré-coronavírus.


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Por isso, o desastroso anúncio, na segunda-feira, das fontes de recursos para o Renda Cidadã é uma decepção. O impacto foi tão ruim que a bolsa caiu, o dólar subiu e o Tesouro Direto suspendeu suas operações por uma hora devido à subida dos juros. E quando as taxas dos títulos públicos sobem, a leitura que se tem é de que o credor, bancos e até o comprador individual desses papéis, esperam uma melhor remuneração porque desconfiam do governo de cumprir suas metas fiscais (segurar o endividamento e reduzir o rombo).


A (péssima) ideia do governo é utilizar parte dos recursos destinados aos precatórios (pagamentos determinados por sentença judicial) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para sustentar o programa. Assim, o valor médio atual do Bolsa Família subiria de R$ 193 mensais para R$ 290 e para um número maior de brasileiros. Como não há previsão de aumento de receita, pelo contrário, o jeito foi tirar dos – em tese – menos vulneráveis: contribuintes que derrotaram a União na Justiça e aguardam indenização. No caso do Fundeb, a justificativa é simplória. O dinheiro que seria do fundo ficaria com famílias compromissadas em manter suas crianças na escola. Acabou-se de aprovar uma lei definitiva que reserva e amplia os recursos do Fundeb e já se pensa em esvaziá-la.


O rombo de R$ 800 bilhões e o endividamento de quase 100% do Produto Interno Bruto (PIB), tornando o Brasil o terceiro pior na relação dívida/PIB, mostram um curtíssimo cobertor. Porém, não há outra solução possível a não ser fazer o que qualquer família brasileira busca nestes tempos – cortar gastos. Para isso será preciso contrariar redutos e eliminar privilégios. Entretanto, o único efeito concreto da proposta do governo foi gerar desconfiança e conseguir o pedido de divórcio daquele que foi um de seus mais fiéis apoiadores, o mercado financeiro.


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