Entenda a farsa do limite de idade extinguindo a Aposentadoria Especial

A Aposentadoria Especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição

Por: Sergio Pardal Freudenthal  -  15/04/21  -  08:50
Posto do INSS em Santos não recebe segurados desde o fim de março
Posto do INSS em Santos não recebe segurados desde o fim de março   Foto: Matheus Tagé

Existe uma grande diferença entre o limite de idade para a aposentadoria por tempo de contribuição que a tecnocracia desejava na Emenda Constitucional de 1998, e a extinção do benefício ocorrida com a EC 103/2019, com todos os reflexos na Aposentadoria Especial.


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Conceito


A Aposentadoria Especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição (serviço), com a devida redução em razão das condições de trabalho insalubres, periculosas ou penosas. Em seu surgimento, na Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, ainda trazia na redação original a exigência de idade mínima de 50 anos em qualquer das três hipóteses, com 15, 20 ou 25 anos de atividade especial, conforme decreto regulamentador. Ocorre que, pela Lei 5440-A, de 23 de maio de 1968, o limite etário foi retirado.


Na primeira emenda constitucional visando o desmonte de nossa Seguridade Social, a EC 20/1998, conseguiram aprovar o limite de idade para a aposentadoria por tempo de contribuição dos servidores públicos, mas não tiveram sucesso para o Regime Geral (INSS). Importante notar que o mínimo etário então exigido era de 55 anos de idade com 30 de contribuições para as mulheres, e de 60 anos de idade com 35 de contribuições para os homens, sem coincidir com a exigência para a aposentadoria por idade, de 60 e 65 anos, respectivamente.


A EC 103/2019 simplesmente elimina, extingue, a aposentadoria por tempo de contribuição, inclusive nas regras de transição, seja na idade mínima ou na somatória com o tempo de contribuição, com a evolução ao final atingindo a mesma obrigação da aposentadoria por idade (62/65).


Quando se extingue o principal, o derivado não sobrevive, portanto, a Aposentadoria Especial também foi morta e enterrada. Restou, para os trabalhadores expostos às condições insalubres, periculosas ou penosas pelos tempos completos exigidos, a ridícula redução na exigência para aposentadoria por idade. Poderia ser o novo conceito: Aposentadoria Especial, uma espécie de aposentadoria por idade, com a exigência reduzida em razão de tempo mínimo de exposição, de acordo com decretos regulamentadores.


Novas regras


Conforme bem leciona Carlos Cacá Domingos, a EC 103/2019 gerou três regras para a Aposentadoria Especial: a permanente, a transitória e a de transição.


A regra permanente (arts. 40 e 201 da CF) apenas veda a adoção de requisitos ou critérios mais favoráveis aos trabalhadores, a não ser para aqueles com deficiência ou “cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação”.


Depois de tanta vedação, não se pode esperar muito da futura lei complementar.


A regra transitória (art. 19, § 1º) se aplica para quem ingressar no regime previdenciário a partir da promulgação da EC 103/2019, valendo até a futura lei complementar. E dispõe somente a redução da idade de acordo com o tempo mínimo comprovado na condição especial. Assim, aposenta-se aos 60 anos de idade quem tiver 25 de atividade especial; aos 58 de idade com 20 de especial; e aos 55 de idade, com 15. Lembrando que se aposenta com 15 anos de especial apenas mineiro de subsolo e, com 20, mineiro de superfície. Portanto, na grande maioria das vezes, a Aposentadoria Especial exigia 25 anos de exposição habitual e permanente aos agentes nocivos. Agora, passou a cobrar, cumulativamente, 60 anos de idade. Simplesmente reduz, da aposentadoria por idade, cinco anos para os homens e apenas dois para as mulheres. E não se duvide que consigam uma lei complementar ainda pior.


E, para os que já estavam no sistema, mas ainda sem direito adquirido, sem completar as exigências, restam as regras de transição (art. 21). Ao invés da idade mínima exigida para os novos segurados, os que tinham “mera expectativa de direito” precisam, além do tempo especial integral, 15, 20 ou 25 anos, da somatória da idade, tempo de efetiva exposição e mais tempo de contribuição em atividade comum que possa ter, completando, respectivamente, 66, 76 e 86 pontos.


Sem fazer muita bagunça, com a utilização do exemplo do mineiro de subsolo, vamos observar o caso mais comum. Pela regra transitória que vai durar muito tempo, após 25 anos de trabalho com exposição habitual e permanente aos agentes nocivos, o trabalhador poderá se aposentar aos 60 anos de idade;


na de transição, para os que teriam “expectativas de direito” na promulgação da EC 103/2019, precisa somar idade e tempo de contribuição, especial e comum, atingindo 86. Assim, com 25 anos completos em condições especiais, enquanto o novo segurado pode se aposentar aos 60 anos de idade, para o segurado antigo, se não tiver tempo de trabalho comum para somar, a exigência seria 61!


Implantação da idade mínima


Desde os primeiros arroubos neoliberais, por volta de 1995, a tecnocracia fala em idade mínima para aposentadoria. Na redação original da LOPS, em 1960, existia a idade mínima de 50 anos para a Aposentadoria Especial, retirada em 1968. E, na EC 20, de 1998 tentaram impor a idade mínima para a aposentadoria por tempo de serviço (além de mudar o nome para “por tempo de contribuição”), mas só obtiveram vitória em relação aos servidores públicos. Ressalte-se que não havia coincidência com o requisito para aposentadoria por idade.


Agora, com a EC 103/2019, implantaram uma idade mínima que “coincide” com a exigência para a aposentadoria por idade. Ou seja, extinguiram a aposentadoria por tempo de contribuição, inclusive com as regras de transição tendo suas exigências aumentadas até atingir a tal “coincidência”. Logo, como aposentadoria voluntária, restou apenas aquela por idade, aos 62 anos para as mulheres e 65 para os homens. E é, nos tenebrosos cálculos, inclusive para a Aposentadoria Especial, que o tempo de contribuição mostrará efetivamente o seu valor (40 anos de contribuição para atingir 100% da média).


Para os que trabalham em condições insalubres, periculosas ou penosas, as maldades são antigas e, com a EC 103/2019, ainda vão mais longe. Bom exemplo foi o fim das conversões do tempo especial para comum, além do aumento constante de dificuldades para provar a exposição habitual e permanente aos agentes nocivos.


Assim, o que agora podemos chamar, torcendo muito o nariz, de Aposentadoria Especial, se trata de uma aposentadoria por idade, com a redução da exigência de 62 e 65, para mulheres e homens, para 55, 58 ou 60 anos, com a devida prova da exposição habitual e permanente aos agentes nocivos pelo tempo integral de 15, 20 ou 25 anos, de acordo com a regulamentação.


Imaginem aquele trabalhador siderúrgico, formado tecnicamente e começando, aos 25 anos de idade, sua atividade no calor, ruído e produtos químicos próprios da produção de aço. Completará 25 anos de atividades em condições especiais com a idade de 50 anos, ainda faltando 10 para poder gozar o benefício. É evidente que ele não poderia abandonar sua profissão, em defesa de sua saúde, no período restante até a aposentadoria; a não ser que seja despedido porque está ficando velho e desgastado pela exposição aos agentes nocivos.


Nas lides da advocacia previdenciária, os temas vão se apresentar.


Segue a necessidade de provar judicialmente as condições especiais dos segurados que teriam completado o tempo antes da promulgação da EC 103/2019. São as ações atuais, que vão durar ainda por um bom tempo, na busca do direito adquirido e ainda com as regras antigas, com qualquer idade, valendo a conversão de tempo e tudo o mais. As aposentadorias devem ser


solicitadas administrativamente com todas as provas, e, na negativa, ajuízam-se as ações, muitas vezes dependendo de perícia judicial de engenharia nos locais de trabalho. A jurisprudência tem sido bem favorável e assim deve seguir (esperamos) nos próximos anos


Outro passo será decifrar as aplicações das regras de transição, com a comprovação do tempo especial na íntegra, 15, 20 ou 25 anos, conforme regulamento, e a somatória completando, respectivamente, 66, 76 ou 86. Para a soma entram a idade, o tempo completo em condições especiais e tempos comuns de contribuição que possam ter ocorrido. A luta jurídica continua sendo a comprovação da exposição habitual e permanente aos agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais a saúde, com a obrigação do tempo completo.


E, por fim, para as provavelmente muito duráveis regras transitórias, seguirá a luta pela comprovação do tempo especial na íntegra da exigência, apenas para que se aposentem por idade com uma pequena antecipação.


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