A principal perversidade na reforma da Previdência está nos cálculos

Artigo publicado na Tribuna Livre de quarta-feira, 09 de setembro de 2020

Por: Sergio Pardal Freudenthal  -  10/09/20  -  09:20

Em outubro do ano passado, nessa Tribuna Livre, o advogado afirmava que a grande maldade inscrita na reforma previdenciária – aprovada através da EC 103, em 13 de novembro – estaria nos cálculos. Infelizmente a afirmativa foi confirmada.


Primeiro vale esclarecer o que restou dos benefícios do Seguro Social dos trabalhadores brasileiros. Além dos decorrentes de sinistros, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, dos que se programam ficou apenas a aposentadoria por idade, 62 anos para as mulheres e 65 para os homens, com pequena redução para os expostos às condições especiais de trabalho. O tempo mínimo de contribuição passou a ser 20 anos, mantendo 15 na regra de transição para os já filiados. A aposentadoria por tempo de contribuição, antiga por tempo de serviço, foi extinta, com três regras de transição para quem estava filiado na promulgação da emenda.


Assim, vamos aos cálculos. Até 1999, as aposentadorias eram calculadas pela média dos 36 últimos salários, corrigidos para manter o valor real. Com a EC 20/1998 e a Lei 9.876/1999, a média passou a ser dos maiores salários que representassem 80% de todos desde julho de 1994 (implantação do Real). Os iludidos achávamos que pior não existiria. Pois a média aprovada na EC 103/2019 utilizará todos os salários desde julho/1994.


As aposentadorias, por idade ou por invalidez, serão calculadas em 60% da média piorada, com acréscimo de 2% para cada ano que exceder 20, com poucas exceções. Para as mulheres já filiadas na promulgação da emenda e para mineiros de subsolo, o acréscimo de 2% é para cada ano a mais do que 15; a invalidez por acidentes do trabalho e doenças laborais pagará 100% da média; e, por fim, para os que contavam com 33 anos de contribuições, se homem, ou 28, se mulher, pagando o “pedágio” de 50% do tempo que faltava, terão cálculo da aposentadoria com o total da média, porém, multiplicada pelo fator previdenciário.


Maior malignidade se observa nos benefícios que decorrem de sinistros. O auxílio-doença, agora por incapacidade temporária, segue pagando 91% da média, mas a aposentadoria por invalidez acompanha a maldade prescrita no artigo 26 da EC 103/2019, 60% para homens com até 20 anos de contribuição e para mulheres com até 15, somando 2% para cada ano a mais. Com tempo suficiente para a antiga aposentadoria por tempo de contribuição – 35/30 anos para homens/mulheres – receberiam em razão da invalidez, denominada pelos decretinos de incapacidade permanente, 90% da média, 1% a menos do que o auxílio-doença. É de pasmar: a incapacidade temporária, em quase todos os casos, pagará mais do que a incapacidade permanente!


Em relação à pensão por morte, cresce a iniquidade. Retrocederam 30 anos, voltando a ser 50% da aposentadoria do falecido, mais 10% para cada dependente. Ora, aluguel, condomínio, luz e água não se dividem ao meio. E, se o falecido ainda não estava aposentado, a base é a aposentadoria que receberia se, ao invés de morrer, ficasse inválido.


João, 20 anos de trabalho e contribuição, faleceu, deixando viúva e um filho menor de 21 anos. Antes, o cálculo era bem mais fácil, a aposentadoria seria 100% da média e a pensão por morte 100% da aposentadoria. Agora, a aposentadoria deve ser 60% da média piorada, e a pensão, em 70% daquela, fica 42% da média. Como ganhava bem, João obteria a média de 4 mil reais; a invalidez permanente pagaria 2.400 e pensão por morte para dois dependentes 1.680. Com o filho completando 21 anos, a viúva terá a redução para 1.440 reais, e, quando se aposentar, por suas próprias contribuição, ainda terá o fatiamento do benefício que for menor. Definitivamente, não são privilégios que foram atacados.


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