Um é pouco, dois é bom, três é demais

A pandemia nos pegou de surpresa. O governo fez o que tinha de fazer: criou o auxílio emergencial de R$ 600,00. A ajuda, pra lá de bem-vinda, chega ao fim. Mas a crise sanitária continua.

Por: Dad Squaris  -  23/08/20  -  13:45

Recado
“Não acredito em brasileiro sem erro de concordância."
Nelson Rodrigues


A pandemia nos pegou de surpresa. Ceifou vidas e roubou empregos. Nada menos de 66 milhões de brasileiros ficaram sem salário e sem renda. O governo fez o que tinha de fazer: criou o auxílio emergencial de R$ 600,00. A ajuda, pra lá de bem-vinda, chega ao fim. Mas a crise sanitária continua.
 


E daí?
A  saída é prorrogar o socorro. A equipe econômica disse que o País não aguenta manter o valor. Propôs reduzi-lo para R$ 200,00. O Congresso bate pé nos R$ 600,00. Bolsonaro se opôs aos extremos: “R$ 600,00 é muito, R$ 200,00 é pouco. Vamos ficar no meio-termo”. A fala presidencial foi seguida de murmúrios. Não sobre montantes. Mas sobre a concordância: R$ 600,00 é muito, R$ 200,00 é pouco. O verbo no singular está correto? Está.


A manha
As locuções é muito, é pouco, é suficiente & cia. acompanhadas de especificação de quantidade, medida, preço, tempo e valor são invariáveis: R$ 600,00 é muito. R$ 200,00 é pouco. Quinze anos é tanto tempo! Dois quilos é suficiente. R$ 10,00 é insuficiente.
 


Fato ou boato?
Parecia boato. Aqui e ali, falava-se em um tal dossiê. Estariam coletando dados sobre funcionários antifascistas. Verdade? Mentira? O ministro da Justiça confirmou a informação, mas disse que não era dossiê, era relatório. No debate, pintou a curiosidade. Qual a origem de dossiê?


Francesinha
Dossiê veio do francês dossier. Quando nasceu, tinha conotação neutra. Significava série de documentos referentes a uma pessoa, ou a um assunto, ou a um processo. Com o tempo, virou palavrão. Tornou-se sinônimo de documentos usados como prova contra alguém. Valha-nos, Deus! Dá um meeeeeeeeedo.


Alto lá
O caso chegou ao STF. A relatora, ministra Cármen Lúcia, determinou a suspensão da coleta de dados. Pintou a oportunidade de uma diquinha de grafia. Por que suspensão se escreve com s? Porque deriva de verbos terminados em -ender.
Veja exemplos: suspender (suspensão), tender (tensão), apreender (apreensão, apreensivo, apreensível), compreender (compreensão, compreensível, compreensivo), pretender (pretensão, pretensioso), ascender (ascensão, ascensorista).


Lição do Veríssimo
“A sintaxe é questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo.”


Tropeção
Edital diz que “vão haver dois grupos de pessoas”. Ops! Pisou a concordância. O verbo haver, no sentido de ocorrer e existir, é impessoal. Sem sujeito, só se conjuga na 3ª pessoa do singular: Haverá (existirão) dois grupos de pessoas. Na quarta, houve (ocorreram) discursos no Senado. Apesar da pandemia, havia (existiam) milhares de pessoas na praia.


Olha o contágio
A impessoalidade é contagiosa. Os auxiliares do haver tornam-se impessoais: Vai haver dois grupos de pessoas. Deve haver dois grupos de pessoas. Pode haver dois grupos de pessoas. Será que vai haver confrontos no Líbano? Apesar da pandemia, deve haver milhares de pessoas na praia.


Leitor pergunta
Se eu me abster de votar? Se eu me abstiver? Estou na dúvida. Pode me ajudar?
Luiz Santos, Betim (MG)


O verbo abster é derivado de ter. Pai e filho se conjugam do mesmo jeitinho, observadas as regras de acentuação: eu tenho (me abstenho), ele tem (se abstém), nós temos (nos abstemos), eles têm (se abstêm), eu tive (me abstive), ele teve (se absteve), nós tivemos (nos abstivemos), eles tiveram (se abstiveram); se eu tiver (me abstiver), se ele tiver (se abstiver), se nós tivermos (nos abstivermos), se eles tiverem (se abstiverem); eu tenho tido (me tenho abstido); ele está tendo (está se abstendo).

Dad Squaris é jornalista e escritora
dad.squarisi@gmail.com


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