Perdão, brasileiros

Em 1990, o presidente recém-eleito Fernando Collor decretou o confisco da poupança. Veio o arrependimento

Por: Dad Squarisi  -  20/05/20  -  17:35

Recado


“As pessoas que falam muito mentem sempre porque esgotam seu estoque de verdades.”
Millôr Fernandes


A história caiu no esquecimento. Mas, sem mais nem menos, o autor a revive. Em 1990, o presidente recém-eleito Fernando Collor decretou o confisco da poupança. Quem tinha algum dinheirinho no banco ficou com R$ 50,00. A medida não poupou ninguém. Muitos se suicidaram.


Veio o arrependimento. O agora senador tuitou: “Eliminar a hiperinflação era o objetivo do meu governo. Acreditei que aquelas medidas radicais era o caminho certo. Gostaria de pedir perdão a todas aquelas pessoas que foram prejudicadas pelo bloqueio de ativos”.


O vício de Deus


Deus só tem um vício. É perdoar. Daí a generosidade do verbo. Ele joga em quatro times:


  1. Intransitivo, sem complemento: Perdoa para seres perdoado.
  2. Transitivo direto (perdoar alguém ou alguma coisa): Deus perdoa as ofensas. Perdoai os nossos pecados, Senhor. O pai perdoa o filho.
  3. Transitivo indireto (perdoar a alguém): A Receita perdoa aos devedores. Deus perdoa aos pecadores. Perdoou aos traidores.
  4. Transitivo direto e indireto (perdoar alguma coisa a alguém): O patrão perdoou aos empregados as falhas cometidas. Deus lhes perdoou os pecados. A lei perdoou a dívida aos devedores.

Firme e forte


A regência muda. Mas a conjugação se mantém. Perdoar pertence à equipe dos verbos terminados em –oar. É o caso de voar, abençoar & cia.: perdoo (voo, abençoo), perdoa (voa, abençoa), perdoamos (voamos, abençoamos), perdoam (voam, abençoam). E por aí vai.


Sem chapéu


Viu? O hiato o/o tinha acento. A reforma ortográfica o cassou. Agora, ele está livre e solto — sem lenço e sem documento: voo, perdoo, abençoo.


Curiosidade


Collor fala em “medidas radicais”. Um curioso foi ao dicionário de etimologia para entender melhor o adjetivo. Descobriu. Radical é filhote de raiz. O radical vai à raiz das coisas. Com o tempo, a palavra ganhou novas conotações. Uma delas: tornou-se sinônimo de estremado. Outra: intransigente, xiita. Virou palavrão.


Mais mais


Collor impôs poupança aos brasileiros. Que tal seguir a receita? Ele pode começar pelo texto. Basta obedecer às duas regras do estilo. Uma: menor é melhor. A outra: menos é mais. Em vez de “Gostaria de pedir perdão a todas aquelas pessoas que foram prejudicadas pelo bloqueio de ativos”, que tal “Peço perdão às pessoas prejudicadas pelo confisco de ativos”? O texto fica mais curto, mais fácil, mais leve. Tudo de bom.


Leitor pergunta


A escrever a frase “Mãe, por sua coragem e grandeza de dar à luz e educar”, surgiu uma dúvida: grandeza pede a preposição de ou em? Ou ambas estão certas?
Maria José Rebouças, Brasília


O dicionário de regimes de substantivos e adjetivos, de Francisco Fernandes (o melhor da praça), registra só a preposição de: Mãe, por sua coragem e grandeza de dar à luz e educar.


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