Pega na mentira

No século 16, comemorava-se o ano novo durante uma semana — de 25 de março a 1º de abril. No entanto, em 1564, o rei da França Carlos IX instituiu um novo calendário

Por: Dad Squarisi  -  01/04/20  -  11:05

Recado
“Viva o Brasil / Onde o ano inteiro / É primeiro de abril.”
Millôr Fernandes


A história veio ao mundo no século 16. Naqueles tempos idos e vividos, comemorava-se o ano novo durante uma semana — de 25 de março a 1º de abril. Mas, como quem fica parado é poste, em 1564 veio a mudança. O rei da França Carlos IX instituiu um novo calendário. Resultado: o ano novo passou a ser celebrado em 1º de janeiro.


Sem internet, muitos cidadãos não tomaram conhecimento da decisão real. Continuaram com a data antiga. Os informados passaram a zombar deles. Chamavam-nos de bobos de abril. Não só. Mandavam convites falsos para festas de ano novo e presentes divertidos. Não deu outra. Pregar peças nesse dia bateu asas e voou.


Pra você, Vênus


Por que abril se chama abril? Abril se chama abril porque homenageia Vênus. Tem a ver com aprilis -- a comemoração sagrada dedicada à deusa do amor e da entrega.


À escolha do freguês


David Uip, médico que estava no comando do enfrentamento do coronavírus em São Paulo, se contaminou. Precisou isolar-se. Em entrevista, disse: "Não sou nenhum herói. Tive medo, como todo mundo. Senti que poderia obviamente correr risco de vida". Leitores ficaram intrigados. Não seria risco de morte? A questão mereceu debates calorosos na seção de cartas.


Uns defendiam risco de vida porque subentendiam o verbo perder (risco de perder a vida). Outros interpretavam o que estava escrito. Risco é perigo. Perigo de vida? Que bom! Consultada, a Academia Brasileira de Letras bancou o Salomão. Disse que ambas as formas merecem nota 10. Risco de vida pela tradição. Risco de morte pela lógica. O freguês escolhe.


Vítima fatal


Os números mudam num piscar de olhos. A Covid-19 ceifa vidas sem parar. Internet, rádios, tevês e jornais noticiam. Aí, não dá outra. "Até agora, há x vítimas fatais". Nada feito. Fatal é o que mata. O coronavírus mata. É fatal. A queda mata. É fatal. Veneno mata. É fatal. Acidente mata. É fatal. A pessoa infectada não mata — morre.


Sordidez


O ministro da Saúde dava entrevista coletiva para atualizar a população sobre as providências no combate ao coronavírus. Em um momento, referiu-se à sordidez de alguns comunicadores. O termo chamou a atenção. De onde vem o vocábulo? Ele vem do latim sordes. Na língua dos Césares, queria dizer imundície, sujeira, a matéria grossa e pegajosa das feridas. Por extensão, asqueroso, repugnante, nojento, indecente, indigno. Etc. e tal.


Vem, z


Sordidez joga no time de maciez e limpidez. É substantivo abstrato derivado de adjetivo: sórdido (sordidez), macio (maciez, límpido (limpidez), fluido (fluidez), sensato (sensatez), mesquinho (mesquinhez), surdo (surdez), mudo (mudez).


Tropeção


Surpresa! Na hora da tradicional entrevista do ministro da Saúde e equipe, apareceu uma turma de excelências. A certa altura, a mestre de cerimônias avisou: "Não haverão perguntas". Bobeou.


O verbo haver joga em dois times:


Pessoal = conjuga-se em todas as pessoas (hei de estudar, hás de estudar, há de estudar, havemos de estudar, haveis de estudar, hão de estudar).


Impessoal = na acepção de existir e ocorrer, só se flexiona na 3ª pessoa do singular: Não haverá perguntas. Há cinco alunos na sala. Houve distúrbios durante as manifestações. Houve tempos de paz no Oriente Médio? No caso, perguntas, alunos, distúrbios e tempos funcionam como objeto direto. Muitos pensam que são sujeito. E lá vem o plural. Valha-nos, Deus!


Leitor pergunta


Surgiu a dúvida; o correto é o covid-19 ou a covid-19?
Arthur Quirino, São Luís


Covid é sigla formada de três elementos: corona + vírus + doença. A concordância se faz com doença: doença causada pelo coronavírus. O numeral corresponde ao ano em que a enfermidade apareceu (2019).


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