Carteirada no calçadão de Santos

O desembargador Eduardo Siqueira ressuscitou a carteirada. Ele andava sem máscara pelo calçadão de Santos. O guarda o multou.

Por: Dad Squarisi  -  22/07/20  -  13:01

Recado


“Só no idioma pátrio a gente pode pensar bem e dizer besteira.”
Monteiro Lobato


Há coisas que caíram de moda. Uma delas: armazém de secos e molhados. Outra: maiô com saiote. Muitas outras: máquina de datilografia, brilhantina no cabelo, pente no bolso, lenço de pano, eletrola, videocassete, disco de vinil. Comportamentos também ficaram pra trás. É o caso de fumar, dirigir sem cinto de segurança, furar a fila, jogar lixo na rua, arear panela, andar com rolinhos no cabelo.


E a carteirada? O abuso dos que se sentem superiores aos demais parecia pertencer a tempos idos e vividos. Tão idos que certas expressões usadas por eles viraram motivo de gozação. “Sabe com quem está falando?” é a mais consagrada. Às vezes sofre variações. “Sabe quem é meu pai?” “Você imagina quem sou eu?” “Já ouviu falar em fulano de tal?” E por aí vai.


O fora de moda


Ops! O desembargador Eduardo Siqueira ressuscitou a carteirada. Ele andava sem máscara pelo calçadão de Santos. O guarda o multou. A excelência virou bicho. Humilhou o profissional. Pra quê? A imagem ganhou o mundo. As palavras também.


Sai da frente


De carta nasceu carteira. De carteira, carteirada. O sufixo –ada transmite a ideia de movimento enérgico. É o mesmo que aparece em cartada e saraivada.


Falar e dizer


“Eu estou aqui com um analfabeto que me falou que tenho de usar máscara”, queixou-se o desembargador ao secretário de Segurança. Trocou os verbos. Falar não é dizer. Se fosse, a expressão falou e disse não teria sentido. Mas tem. Dizer é afirmar, declarar. Falar é dizer palavras, expressar-se por meio de palavras: A testemunha disse a verdade. Disseram que sairiam à tarde. Diplomata fala várias línguas. Falou com o professor. O apelo da criança fala ao coração.


Quando usar um ou outro? Eis o macete: substitua o falar pelo dizer. Se der certo, você está diante de um usurpador. Mais: o falar tem intolerância ao quê. Diante das três letrinhas, ele espirra sem parar. Melhor dar a César o que é de César. Assim: Quem falou (disse) isso? Será que ela fala (diz) a verdade? Eu estou aqui com um analfabeto que me falou (me disse) que tenho de usar máscara.


Em bom francês


Pra mostrar superioridade, o desembargador falou francês. Vale lembrar: o português tem muitas palavras de origem francesa. Uma delas: etiqueta. Além de identificar o fabricante de produtos, o vocábulo designa um código de boas maneiras para a vida em sociedade.


Da língua de Voltaire


Estrangeirismos herdados da língua francesa se chamam galicismos. Eles frequentam nosso dia a dia com a naturalidade de quem anda pra frente. É o caso de bufê, champanhe, crepe, filé, maionese, omelete, patê, suflê, batom, boné, bijuteria, moda, sutiã, abajur, buquê, placar, creche, garagem, guichê, balé, chefe, garçom, chantagem, avalanche. Ufa!


Quem dá conta?


A santíssima trindade da mesa francesa é o vinho, o queijo e o pão. Há uma variedade tão grande de uma das iguarias que o então primeiro-ministro Charles de Gaulle brincou: “É impossível governar um país com mais de 300 tipos de queijo”.


Leitor pergunta


O jornal publicou que “Emirados Árabes se sobressaem na corrida espacial”. Fiquei na dúvida: sobressaem ou se sobressaem?Clara Silva, Porto Alegre (RS)


Sobressair não é pronominal. O pronome sobra: Emirados Árabes sobressaem na corrida espacial. A Fiocruz sobressai nas pesquisas. O Congresso sobressairá na discussão da reforma tributária. O livro conta a saga de um brasileiro que sobressaiu no debate da covid-19. Nós sobressaímos na defesa da educação de qualidade.


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